Por Luciano Guimarães de Freitas*
No enredo do filme brasileiro “Uma história de amor e fúria”, uma frase nos inspira a reflexão sob a história e a vida humana: “Viver sem conhecer o passado é andar no escuro”.
Minha família, paterna e materna, se enraizou no extremo noroeste capixaba, nos municípios de Barra de São Francisco e Água Doce do Norte, e também, em Mantena–MG.
Nasci em 1982, a maior parte da infância e adolescência morei em Barra de São Francisco. Aos finais de semana, sempre íamos visitar os meus avós paternos e maternos, na zona rural de São Chico e de Água Doce do Norte.
Considero as gerações que nasceram entre 82 ao início da década de 90, como umas das últimas gerações que tiveram a oportunidade de uma formação diferenciada, desde a proximidade com o meio ambiente, uma maior afetividade nas relações comunitárias e sociais, a educação familiar e social.
Na escola havia maior respeito dos alunos com os professores, as relações entre as crianças preservavam uma pureza e inocência única. E vida urbana era caracterizada pelo cotidiano singular de uma cidade do interior capixaba.
Entre minhas saudosas lembranças, nas saídas da Escola João Bastos, pular na pinguela de madeira sobre o Rio Itaúnas, contemplar os barquinhos de papel feitos pelas crianças e que, lançados no rio, navegavam nas águas de nossa imaginação.
Aos finais de semana, passear na casa de meus avós paternos e maternos, encontrar com os primas e primas, comer biscoito de polvilho, pescar lambari, subir em árvores, e outros ricos momentos.
Uma lembrança especial, era quando a caminho do sítio de meus avós, no percurso da viagem após a sede do município de Água Doce do Norte, a estrada até o Distrito de Santa Luzia do Azul ainda era de terra. Quando a viagem chegava no início da antiga estrada, sentia um ar puro, o frescor da natureza, a beleza natural que durante a viagem, ia se tornando cada vez mais bela.
Foi no início da adolescência em Barra de São Francisco, que pude presenciar o início de ações voltadas para a preservação ambiental, acompanhando a minha mãe Vera Lucia Guimarães que gerenciou o projeto de criação do Parque Natural Municipal Sombra da Tarde.
Anos mais tarde, mudamos para Águia Branca, onde ela gerenciou a criação de um novo parque, o Parque Ecológico Recanto do Jacaré. E foi em Águia Branca, em novembro de 2004, através das atividades do parque Recanto do Aacaré, que iniciei no cineclubismo, participando da fundação do Cineclube Eco Social, o primeiro da região noroeste.
Moramos em Águia Branca por quase 10 anos, onde, além de atividades que participei no Parque Recanto do Jacaré, também fui professor de Educação Física no Ensino Público, um ano na Escola Estadual e um ano na Escola Municipal do Córrego do Café.
Tendo passado décadas e anos de quando vivenciamos estas lembranças e tantas outras, podemos afirmar que testemunhamos boa parte das transformações sociais que ocorreram nas últimas 3 décadas neste território do extremo noroeste capixaba.
A saudade dos bons tempos torna-se ainda maior quando olhamos e refletimos o presente e as várias realidades sociais do extremo noroeste capixaba.
As cidades antes pacatas convivem com o aumento da violência e das áreas de vulnerabilidade social, o crescimento da desigualdade social, a degradação ambiental que resultou a longas secas e períodos de estiagem que impactou a agricultura familiar, a qualidade de vida, alterou todo o cotidiano popular, dentre vários outros impactos que não atingem somente as zonas urbanas, mas também a zona rural.
E, no aspecto da saúde e do meio ambiente, o surgimento de doenças e surtos endêmicos, o surgimento de pragas e o desequilíbrio ambiental, como exemplo, nos últimos anos acompanhamos reportagens sobre a proliferação de escorpiões, de cobras, gafanhotos, e o aumento de pernilongos em determinado período.
Com algumas exceções, várias gestões públicas deixaram o meio ambiente num segundo plano. Do que pouco se fez, foram ações de curto prazo, soluções frágeis e sem planejamento de resultados para médio e longo prazo. Resultado: Seguimos sofrendo as transformações e alguns ou não querem perceber ou parecem não ver.
Em Barra de São Francisco, no início do Parque Sombra da Tarde, aconteciam concursos de poesias, eventos educacionais, cursos de formação, com ênfase no meio ambiente. Chegou a se realizar na época a primeira Feira do Verde do Noroeste Capixaba.
Em Águia Branca, entre 2001 e 2008, foi criado o Parque Recanto do Jacaré e a duas Escolas Agroecológicas, fomentando a rico processo de educação ambiental no município. Creio que muitos adolescentes desconhecem a história de como foi criado o parque, os objetivos e estudos que permearam a sua criação.
Em 2019, cumprindo o meu papel de cidadão e coerente com a nossa trajetória dedicada ao meio ambiente e a cultura, denunciamos na imprensa e outros meios legais a construção de uma rodoviária no centro de Águia Branca, que invadiu a área de zoneamento ambiental do Parque Recanto do Jacaré.
Compreendemos que a construção de uma rodoviária é de suma importância para o desenvolvimento de Águia Branca, nisto estamos de total acordo e apoio. No entanto, há tantas áreas que poderiam abrigar tal obra pública. No local onde a fizeram, além de impactar o bioma no entorno, também poluiu a paisagem que antes privilegiava a população com uma bela visão do parque e dos alterosos pontões e montanhas ao fundo.
A médio e longo prazo, a fumaça e óleo de motores, trará futuros impactos e mais degradações ambientais.
No tempo presente é urgente a realização de projetos e ações voltadas para o meio ambiente, é emergencial retomar os processos de educação ambiental, de formação social, de ações que possam gerar bases sólidas para as futuras gerações.
Um valoroso exemplo de cidadania e preservação ambiental, é de um agricultor do município de Vila Valério, que despertou admiração a ponto de ser veiculado em matéria na Rede Globo nacional, no Fantástico.
Sofrendo com as longas secas e crises hídricas, chegou a ser aconselhado a abandonar o seu sitio e a agricultura. Porém, resistiu às dificuldades, passou a reflorestar o sítio. Cerca de 10 anos após, enquanto o município sofria com a escassez de água, o seu sitio se transformou num oásis em meio ao semiárido capixaba. O reflorestamento, além de preservação, equilibrou o meio ambiente e seus biomas e proporcionou o retorno das águas e nascentes. Conta-se que na crise hídrica, a Prefeitura local contou com este oásis capixaba para buscar água e a disponibilizar para o município.
Cada vez mais, penso que as gestões públicas sabem os melhores caminhos para proporcionar melhores condições e qualidades de vida à população. Por algum motivo, acabam tomando outras direções e escolhas.
Com base nas reflexões descritas neste texto, respeitosamente, convido aos leitores e a toda a população de nosso noroeste capixaba, para refletirem e questionarem os fatos expostos. Dedicarem-se a uma percepção de mente aberta, com coragem para o senso crítico e avaliação.
No mês de novembro de 2020, iremos às urnas participar da democracia e o exercício de nosso direito a votar e escolher os nossos próximos representantes, Prefeitos e Vereadores.
É fundamental elegermos a candidatos comprometidos com os anseios e demandas populares, mais que isso, compromissados com o meio ambiente, a agricultura familiar, a educação, o desenvolvimento social, a cultura e demais aspectos presentes em nossa sociedade.
No voto está nossa força e o poder do povo!
*Poeta, Cineclubista e Produtor Cultural, Diretor do filme “Vida Saudosas Lembranças”. Filho do Ex Vereador por Água Doce do Norte, José Vitorino de Freitas e da pedagoga Vera Lucia Miranda Guimarães que atuou no projeto de criação dos parques Sombra da Tarde e Recanto do Jacaré.