
Um vendedor ambulante de alimentos de Barra de São Francisco costuma levar a filha de cerca de três anos, todos os domingos, para uma oficina mecânica onde se diverte jogando dominó com os amigos. A filha, no entanto, tem como distração, um smartphone, onde assiste vídeos infantis o tempo todo.
O acesso precoce às tecnologias é uma preocupação do especialista em crimes digitais Eduardo Pinheiro Monteiro, convidado da Comissão de Cidadania da Assembleia Legislativa (Ales) nesta terça-feira, 9, para falar sobre crimes digitais e como se proteger. Ele usa o termo “chupeta digital”, se referindo aos smartphones, como uma forma de os pais distraírem seus filhos, dando a eles o aparelho muitas vezes sem qualquer tipo de supervisão. Essa é, muitas vezes, a porta de entrada para vários tipos de crimes, segundo o palestrante.
“Os pais entregam para os filhos (os smartphones) para eles ficarem calmos, ficarem tranquilos e deixarem os pais sossegados. Não estão dando as devidas orientações, muitas vezes os pais estão criando ‘menores abandonados digitais’ e depois as consequências vêm com o tempo, desse abandono, que são as mutilações, a participação em desafios perigosos, o cyberbullying e a falta de respeito no ambiente digital”, lamentou.
Ainda segundo o especialista, mais de 600 mil pessoas já foram vítimas de algum tipo de golpe virtual no Espírito Santo. O analista de tecnologia deu uma aula sobre vazamento de dados, crimes cibernéticos e apontou dicas de como o cidadão pode se prevenir.
Vazamento de dados
O compartilhamento não consensual de informações é sem dúvida outra porta de entrada para diversos crimes e golpes que são aplicados no meio digital. De acordo com o especialista, o maior vazamento de dados da história ocorreu este ano, expondo mais de 8 bilhões de senhas. Eduardo Monteiro contou que o arquivo compartilhado entre os hackers tinha mais de 100 GB, tamanho era o número de informações contidas.
“Esse foi um vazamento que ocorreu na metade desse ano. Então quem não mudou a sua senha do e-mail, da rede social, do Facebook, do Instagram, e continua com a mesma senha, está com o seu perfil, está com as suas ferramentas tecnológicas vulneráveis. É por isso que todos os dias nós ouvimos notícias de pessoas que tiveram os seus perfis, as suas contas hackeadas”, disse.
Crimes digitais
O mestre em políticas públicas explicou que os crimes, sejam eles financeiros ou de outras naturezas, estão migrando para os ambientes virtuais. “Os criminosos estão migrando para o ambiente digital. Hoje em dia não tem mais assalto de banco, porque eles sacaram que é melhor desviar dinheiro das contas bancárias, via internet. É menos arriscado para o criminoso. Os pedófilos migraram para a internet, eles estão onde as crianças estão, em joguinhos on-line, nos grupinhos das bandas infantis ou juvenis” alertou.
Golpe do Whatsapp
Um golpe que tem ocorrido com muita frequência nos últimos tempos é a invasão do principal aplicativo usado para conversas, o Whatsapp. O professor explicou que esse crime ocorre de duas formas. “O sequestro da conta, que é mais difícil, precisa de uma engenharia social por trás para poder tomar a conta do titular. Ali, o estelionatário vai ter acesso a todos os contatos da vítima e vai se passar por ela, solicitando quantias em dinheiro e muitas pessoas caem nesse golpe”, informou.
A outra modalidade é a clonagem. “A pessoa de posse desse banco de dados vai no seu nome, faz uma pesquisa, faz uma correlação e vai saber quem são os seus pais, seus irmãos. Geralmente na clonagem as vítimas são parentes, porque eles conseguem fazer essa correlação e identificar os bancos de dados dos parentes”, esclareceu.
Investigações
Outra dificuldade apontada pelo convidado é a identificação dos criminosos. Ele alertou que os contraventores se utilizam de dados falsos, tanto para desbloquear seus chips nos smartphones que serão usados na contravenção, quanto para abrir as contas bancárias para as quais serão desviadas as quantias obtidas de forma fraudulenta. “É muito complexa a identificação desses crimes, muitas vezes só se chega ao autor por meio da geolocalização (GPS) da linha telefônica”, explicou.
Prevenção
Mas como se prevenir desses golpes e crimes virtuais? Eduardo Monteiro apontou que existem diversas formas de o cidadão se proteger: usar duplo fator de autenticação, desconfiar de facilidades (como preços baixos), alterar senhas frequentemente, criar senhas seguras, proteger dados pessoais, não deixar computadores desbloqueados em ambientes de trabalho ao se ausentar, entre outros. Eduardo alerta que todas as formas de prevenção passam pela informação e pela conscientização.
“Precisamos ficar espertos. Nós precisamos no ambiente digital ter também o estado de alerta que nós temos nas ruas. Nas ruas a gente não anda assim relaxado, a gente anda se vigiando. Andamos com cuidados, para não ser atropelado, não cair em um buraco, não ser assaltado. A gente anda nas ruas em estado de alerta e no mundo digital ninguém está em estado de alerta”, comparou.
LGPD
Entrou em vigor em 2020 a Lei Federal 13.709/2018, também conhecida como Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). A norma cria regras claras para o controle e a manutenção da privacidade dos dados pessoais do cidadão, estabelecendo oito direitos fundamentais à pessoa sobre seus dados: confirmação, correção, eliminação, portabilidade, oposição, explicação, revogação do consentimento e compartilhamento.
“É uma lei que trouxe os nossos direitos em relação aos nossos dados pessoais. Os dados pessoais são nossos, fazem parte da nossa privacidade, é parte desse segmento de direitos humanos. Essa lei trouxe vários direitos para o titular dos dados. A gente hoje tem o direito de saber onde os nossos dados estão armazenados, com quem eles são compartilhados e quando que eles serão excluídos. Não existe mais coleta de dados pessoais e armazenamento eterno”, reforçou.
Homenagem
O proponente da palestra foi o deputado Bruno Lamas (PSB), vice-presidente da comissão, que participou da reunião junto do presidente do colegiado, deputado Luciano Machado (PV). Os parlamentares concederam ao convidado, em nome da Assembleia Legislativa, um certificado de reconhecimento pelos serviços prestados. Eduardo Pinheiro Monteiro é funcionário da Secretaria de Estado de Governo, graduado em tecnologia da informação, bacharel em direito, mestre em políticas públicas e MBA em investigação criminal com ênfase em crimes virtuais. (Da Redação com Webales)