Por Weber Andrade com MSN Notícias e Hérica Marmo, revista Veja
A cozinheira francisquense Ana Lúcia Salazar, 51 anos, tinha um sonho: Ir morar em Portugal. Há cerca de quatro meses ela realizou o sonho. Desembarcou na cidade do Porto, no norte do país, com a esperança de viver uma vida tranquila, longe da violência reinante no Brasil e da falta de perspectivas econômicas.
Hoje, Ana Lúcia conta que está gostando muito do país e, na contra-mão de reportagem publicada na edição desta semana, da revista Veja, afirma que não pretende voltar tão cedo. “Emprego não está difícil, só que no inverno tem menos oportunidade”, destaca ela.
Já o custo da vida, para ela, é parecido com o do Brasil, mas tem algumas coisas que são bem caras. “Comida, eu achei barato. Agora uma caipirinha no Brasil custa em média 5 reais aqui custa 5 euros, o valor do Euro pra comprar no Brasil é mais ou menos, 4,40 reais, faz muita diferença”.
Ana Lúcia chegou a ir para a terra dos Patrícios com um parceiro, que logo abandonou. “Era muito imaturo”, disse ela, mas afirma que já tem vários portugueses querendo namora-la.
Neste final de semana a revista Veja publicou uma grande reportagem sobre o assunto. A matéria observa que para parte dos mais de 105 mil brasileiros que hoje vivem do outro lado do Atlântico, não está nada bom. “Em vez de pastel de bacalhau, queijo da Serra ou amêijoas, o que essas pessoas andam experimentando no país-irmão é o gosto da desilusão”, afirma a matéria relatando o caso de uma mulher de Vitoria (ES), a gerente comercial Marina Lamar, de 28 anos.
“Mudamos para tentar melhorar de vida”, conta ela, que chegou a Lisboa em setembro de 2018, com o marido, os filhos de 1 e 9 anos e grávida do terceiro. “Hoje vivemos pior que no Brasil.”
“A família de Marina tinha uma rotina simples em Vitória, no Espírito Santo, mas conseguia viajar (“parcelando mil vezes no boleto”), ter carro, animais de estimação, vida social. A decisão de deixar o Brasil foi motivada pelo medo da violência e pelo desejo de proporcionar um ensino gratuito de qualidade aos filhos. Após um tempo vivendo na casa de amigos, o casal resolveu batalhar por um endereço só da família”, relata a revista.
Como o preço dos aluguéis na capital é muito alto (não se consegue nada por menos de 4,6 mil reais (mil euros) nos melhores bairros), os dois começaram a procurar lugares mais afastados. Depois de morarem em um quarto de hostel e em uma quitinete infestada de percevejos, conseguiram alugar um apartamento de dois quartos numa cidade a 20 quilômetros do bairro de Lisboa onde o marido trabalha como garçom.
Já a francisquense Ana Lúcia Salazar observa que para um casal sem filhos, por exemplo, o aluguel de uma quitinete custa em torno de 300 euros – “já achei até por 200”, diz ela – mas ainda assim é um preço salgado, uma vez que o salário mínimo português gira em torno de 500 euros.
O aluguel, que lá eles chamam de renda, realmente é um dos itens que mais encarecem o custo de vida em Portugal. O mineiro Daniel Gomes, oriundo de Capelinha, mas que também viveu por alguns anos no Espírito Santo, mora na região da Grande Lisboa e conseguiu a sua cidadania portuguesa há alguns anos, mas hoje ele salienta que o maior problema da vida em Portugal está no pagamento da renda. “Leva o dinheiro da gente quase todo”, diz ele, mas não está nos seus planos retornar ao Brasil e sim mudar-se para outro país da zona Euro, se tiver oportunidade.

País voltou a ser o preferido para
quem foge da violência e desemprego
Depois do êxodo em direção a Miami a partir dos anos 90, Portugal virou o eldorado para muitos que buscam uma fuga de problemas como a violência e o desemprego. Em 2018, a comunidade de brasileiros no país europeu chegou ao número de 105 000, 23,4% superior ao total registrado em 2017.
No ano passado o Brasil liderou o número de títulos de residência emitidos, 28.210, e representa o país natal de 21% dos imigrantes que vivem por lá. Para os mais endinheirados, o governo local oferece vantagens até mesmo para conseguir a nacionalidade, e o mercado imobiliário constrói condomínios sob medida, com casas a partir de 2 milhões de reais e adaptações como cômodos para empregadas, espaços que não existem nas residências das famílias portuguesas.
Para quem não tem o mesmo colchão financeiro e arrisca tudo na mudança, há o grande perigo de trombar com a barreira da tímida economia portuguesa. O PIB, equivalente a 900 bilhões de reais, é menos que a metade da economia do Estado de São Paulo (2,2 trilhões) e deve crescer 1,9% em 2019, segundo estimativas oficiais.
“Nem sempre o processo migratório é bem-sucedido, às vezes por falta de informação antes da viagem, expectativas não condizentes com a realidade ou dificuldades de integração”, afirma Luís Carrasquinho, responsável em Portugal pelo Programa de Apoio ao Retorno Voluntário e à Reintegração (ARVoRe).
A iniciativa não só banca a volta de expatriados sem condições de arcar com o custo das passagens como dá um incentivo financeiro para a reintegração no mercado de trabalho do país de origem. Desde 2007, o Brasil é a nacionalidade mais representativa no ARVoRe — e, nos últimos anos, o número de pedidos de ajuda de brasileiros vem aumentando. Em 2017 foram 335 solicitações e em 2018 elas chegaram a 616. Em 2019, até agosto, o ARVoRe já havia recebido 418 candidaturas.

Empregos estão sobrando para
quem tem talentos específicos
Embora tenha uma taxa de desemprego baixa (6,7%) em comparação com a trágica realidade brasileira (12,5%), Portugal está longe de ser um oásis para quem procura trabalho — e os estrangeiros sofrem mais ainda com essa dificuldade.
No momento, há vagas sobrando para setores específicos, como o de tecnologia de informação. Portugal criou um visto especial para atrair talentos da área das mais diferentes partes do mundo. Neste ano, até julho, 284 brasileiros obtiveram o documento, de um total de 338 autorizações. Muitos que não têm qualificação acabam trabalhando no país como motorista de Uber ou motoboy para sobreviver.
Em busca de uma saída, alguns brasileiros começaram a ganhar dinheiro oferecendo serviços à grande comunidade de conterrâneos expatriados, como o de bufê de festa infantil caprichada, um negócio estranho às famílias portuguesas. O empresário paulista Marinho Ponci, de 52 anos, por sua vez, criou uma consultoria no Porto para brasileiros interessados em montar negócios por lá. Para quem pensa em empreender, ele dá duas dicas: paciência e reserva financeira de pelo menos dois anos. “O primeiro ano é terrível; no segundo, entende-se o mercado; e no terceiro o negócio pode deslanchar”, afirma. Para quem desembarca com urgência em ganhar a vida em euros, alerta o consultor, é grande o risco de o sonho português virar um pesadelo. (Weber Andrade com MSN Notícias e Hérica Marmo, revista Veja)