“Façam a leitura. Vejam sobre o minério na lama das nossas casas. Não foi acidente. Foi crime.” Com estas palavras a jornalista Sayonara Calhau, aimoreense radicada em Governador Valadares, repercutiu matéria publicada pelo jornal Estado de Minas e replicada pelo Portal Guandu nesta terça-feira, 28, mostrando que a lama proveniente do rompimento da barragem Fundão, em Mariana, há mais de 4 anos, ainda está contaminando o rio Doce.
Moradora do bairro Ilha dos Araújos, um dos mais afetados pela enchente deste início de semana na cidade, Sayonara mostra em fotos o que ele considera rejeitos da barragem, em sua página no Facebook.
O nível das águas caiu bastante na cidade desde o início da manhã de ontem e, segundo medições do SAAE, já foi reduzido em quase um metro, mas ainda há muitos pontos de alagamento. A última medição apresentada pelo SAAE, às 20h de ontem, 28, era de 3,15 metros. O pico da enchente foi de 3,93 metros, na noite de segunda-feira, 27.
De acordo com a Defesa Civil a cidade possui atualmente 15 mil desalojados e 390 desabrigados, sendo 110 famílias que estão distribuídas em seis abrigos no município. Devido à situação, o município decretou situação de emergência nessa segunda-feira, 27.
O Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar estão recolhendo doações para as vítimas da enchente. Estão sendo solicitadas principalmente materiais de limpeza, higiene pessoal, colchões e roupas de cama.
Em Mantena, as doações estão sendo recebidas pela 18ª Companhia Independente da Polícia Militar, na praça 13 de Junho, centro.

OAB e Ministério Público questionam
Fundação Renova sobre os rejeitos
O alento que a retenção de 10 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro que a barragem de Candonga trouxe para o rio Doce foi comemorado desde 2015, mesmo ano em que a barragem do Fundão, da mineradora Samarco, se rompeu em Mariana. Contudo, as falhas que impediram que o reservatório tivesse esse rejeito dragado até 2018 podem estar agora impactando por causa das chuvas intensas áreas que nunca tiveram contato direto com o material, como Governador Valadares.
Por causa dos rejeitos, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) determinou que a Fundação Renova, responsável pela recuperação do Rio Doce, forneça informações, com urgência, sobre a situação e também sobre o plano emergencial para o período chuvoso.
A cidade teve seu fornecimento de água suspenso quando o rejeito ingressou no rio Doce, há 4 anos. Agora, que as chuvas revolveram o rio e o fizeram invadir vários bairros, deixando 15 mil desalojados, os rejeitos estão sendo depositados nos terrenos e casas dos atingidos. As suspeitas de vários órgãos é que se trate de material que veio de Candonga e que já devia ter sido dragado em 2018 pela Fundação Renova.
O presidente da Associação dos Pescadores de Conselheiro Pena e Região, Lelis Barreiros (foto ao lado), disse que a quantidade de rejeitos que tem descido do barramento que é operado pela Usina Hidrelétrica Risoleta Neves, seria muito maior do que antes. “Está descendo muito rejeito pelo rio e isso está impactando todo mundo de novo. O rio já morreu uma vez e está morrendo de novo”, considera.
De acordo com o presidente da associação, as barreiras metálicas instaladas pela Fundação Renova para reter o avanço do rejeito não estão sendo capazes de segurar o material dentro do reservatório.
“Esse sistema de três barragens tinha de deixar a água passar por cima e o rejeito ficar. Mas a chuva está tão forte que está arrebentando tudo e voltando para o rio Doce. Sempre voltou, aos poucos, mas agora está descendo muito e de uma vez”, disse Barreiros.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Governador Valadares, Elias Souto, conta que sua casa na Ilha dos Araújos foi atingida e que ficou encoberta por uma camada de 10 centímetros de material escuro semelhante a rejeitos de minério de ferro.
“Nas últimas quatro enchentes, o rio tinha um outro tipo de lama. Agora, veio essa escura, com a aparência mesmo de rejeitos como os de Mariana e de Brumadinho. Estamos sendo atingidos novamente e de uma forma pior, pois esses materiais não tinham entrado em contato conosco. Quando isso secar, teremos poeira de rejeitos contaminando a cidade. Isso sem falar na vida aquática que vai ser novamente prejudicada se se tratar mesmo de rejeitos”, disse.

O biólogo Matteus Carvalho diz que é preciso medir a quantidade de rejeitos que se movimentou em Candonga para saber qual o tamanho do prejuízo, uma vez que os 10 milhões de m³ que estão no lago correspondem ao mesmo volume liberado pela tragédia de Brumadinho.
“Essa movimentação dos rejeitos, ocasionada pela força cinética da água, piora a qualidade dela. Por outro lado, por causa do volume das chuvas, pode ter havido uma diluição dos contaminantes (quando comparado com a situação original), o que não significa que as águas estejam próprias para o consumo, ou que podem passar por tratamentos convencionais. Teriam que ser feitos testes para avaliar isso”, alerta.
Segundo o especialista, uma pergunta de difícil resposta, e que demandaria especialistas para responder é se as enchentes foram maiores do que seriam por causa do rejeito de Fundão assoreando os rios. “De toda forma, é um cenário contínuo de degradação, amplificado pelo desastre ocorrido há mais de 4 anos”, resume.
Semad pede explicações à Renova
De acordo com a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), não houve a avaliação da movimentação dos rejeitos sedimentados no reservatório da Usina Hidrelétrica Risoleta Neves. O órgão estadual vai levantar, junto à Fundação Renova, responsável pela recuperação do curso d’água, a quantidade de rejeitos mobilizados com as chuvas. “Após o diagnóstico, serão traçadas as ações necessárias à recuperação dos possíveis danos e ao controle dos impactos na fonte geradora”, diz a nota.
O órgão público considera “prematuro” avaliar que a fonte da turbidez do rio foi o depósito de rejeitos. “Em períodos chuvosos, o aumento da turbidez da água e da quantidade de sólidos em suspensão, é comum nos rios da Bacia do Rio Doce”, informou.
Segundo a Semad, se a contaminação do rio pelos rejeitos depositados na hidrelétrica forem confirmados, haverá a responsabilização da Fundação Renova. Nesse caso, não há responsabilidade do Consórcio Candonga ou da UHE Risoleta Neves, conforme informação da secretaria.
A Semad ainda informou que o processo de licenciamento ambiental para a retirada dos sedimentos está em curso e a previsão é que o desassoreamento do reservatório comece em 1º de junho deste ano, mas que ações emergenciais para estabilizar os rejeitos foram realizadas.
A Fundação Renova não deu resposta ao Estado de Minas até a publicação desta reportagem. (Weber Andrade com Estado de Minas e Portal Guandu)