A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Bets ouve na manhã desta terça-feira (13) a influenciadora Virginia Fonseca.
Virginia chegou ao Senado pouco antes das 10h45, acompanhada do marido e também influenciador Zé Felipe. A sessão foi aberta às 11h24, quando Virginia prestou compromisso de dizer a verdade sobre fatos que tenha presenciado.
Convocada a depor como testemunha, Virginia será questionada pelos senadores da CPI a respeito dos contratos e dos trabalhos de influenciadores para promover casas de apostas e jogos de azar online.
Ao longo do depoimento (veja em detalhes ao longo deste texto), Virginia disse:
- que sempre seguiu a legislação e alertou seguidores sobre os riscos das bets;
- que seus contratos não têm a chamada “cláusula da desgraça” – que dá aos influenciadores um percentual sobre as perdas dos apostadores;
- que, apesar disso, receberia 30% a mais no contrato se “dobrasse os lucros” – o que, segundo ela, não aconteceu;
- que não usa a própria conta de apostadora para gravar os vídeos de publicidade;
- que ainda tem contrato de publicidade com a Blaze, mas não mais com a Esportes da Sorte.
“Eu sou influencer, virei mãe, levei meus pais para morarem comigo. Me tornei empresária nesse tempo e apresentadora. E hoje sou tudo isso, e eu espero poder esclarecer todas as dúvidas aqui hoje. E quero agradecer a oportunidade de fazer isso, porque tem muitas coisas que a gente não pode falar na internet, né, que a gente não tem a liberdade de falar. Acredito que vou poder falar aqui hoje, estou muito grata. Que deus abençõe nossa audiência, bora para cima”, disse Virginia, em uma breve apresentação inicial.
Antes de iniciar as perguntas, a relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS), esclareceu a Virginia que a intenção não era “expor ninguém” – e que, se preciso, poderia inclusive transformar a sessão da CPI em uma audiência fechada, sem câmeras, para facilitar a coleta do depoimento.
“Se a senhora não se sentir bem, a gente pode mudar a forma. Mas fique tranquila, que a senhora será tratada com urbanidade e respeito”, afirmou a senadora.
Antes da sessão, Soraya afirmou que a CPI investiga, também, a suspeita de que esses influenciadores ganhavam comissão em cima da perda dos apostadores.
“O tal do ‘caixa da desgraça alheia’ é algo que não podemos sustentar. Ninguém ganha das bets, elas existem para ganhar em cima do apostador. E uma pessoa que, segundo consta, ganha percentual em cima da perda dos jogadores brasileiros […] é um problema de saúde pública, saúde mental, e que está destruindo famílias”, disse.
Questionada pelo senador Izalci (PL-DF), Virginia disse que sempre alertou os seguidores sobre os riscos das bets que chegou a divulgar em redes sociais.
“Eu vou falar por mim. Quando eu posto, sempre deixo muito claro que é um jogo, que pode ganhar e pode perder. Que menores de 18 anos são proibidos na plataforma. Se possui qualquer tipo de vício, o recomendado é não entrar. E para jogar com responsabilidade”.
Virginia também disse que segue as recomendações do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) sobre o tema, e que nunca disse aos seguidores que as pessoas deveriam apostar para “fazer o dinheiro da vida”.
“Estou falando por mim, não sei como outros influenciadores fazem. Eu sempre deixo claro. Tudo isso que me passaram, eu falo. Normalmente, eu faço três stories. Em dois, eu falo, e no outro é mostrando como joga e tudo mais […] O que for para melhorar, é só passar para mim que eu faço como tiver que ser feito”, disse.
Virginia também negou que seu contrato com a empresa Esportes da Sorte incluía a chamada “cláusula da desgraça alheia” – ou seja, um pagamento de 30% sobre a perda de dinheiro dos apostadores.
“Na época, saiu na internet, eu não pude responder por questão de confidencialidade e apanhei calada. Eu fechei o meu contrato com a Esportes da Sorte e esse valor que eles me pagaram, se eu dobrasse o lucro dele, eu receberia 30% a mais da empresa. Em momento algum, sobre perda dos seguidores. Meu contrato não tem nada de anormal”, disse.
“Esse valor nunca foi atingido, nunca recebi um real a mais do que meu contrato de publicidade que fiz por 18 meses. Era um valor fixo. Se eu dobrasse o lucro, eu receberia 30% a mais da empresa. Mas isso não chegou a acontecer”, completou.
Segundo Virginia, todos os outros contratos de publicidade assinados por ela, com empresas de outros setores, tinham cláusulas de desempenho similares.
Mais respostas
Questionada pelos senadores, Virginia disse também:
- que chegou a jogar nas duas plataformas que divulgou, e que hoje mantém conta de apostadora na Blaze – com quem ainda tem contrato de publicidade vigente;
- que os vídeos mostrando como apostar não eram feitos de sua própria conta, mas de contas fornecidas pela empresa;
- que, apesar de usar contas diferentes, os vídeos eram feitos na mesma plataforma disponível para os apostadores comuns;
- que nunca recebeu valores com empresas de fachada, criptoativos ou créditos nas próprias plataformas;
- que nunca promoveu ações de educação financeira para os seguidores, mas considera que seria “uma boa ideia”.
Virginia usou o “direito ao silêncio” (entenda abaixo) para não responder detalhes financeiros de seus contratos – por exemplo, o valor máximo que recebeu das bets. A influenciadora disse, no entanto, que declarou todos os rendimentos à Receita Federal.
Virginia também concordou em fornecer cópias dos contratos com a Esportes da Sorte e com a Blaze à CPI das Bets. Os documentos devem ser mantidos em sigilo, no entanto, por estarem sobre regras de confidencialidade.
“Se realmente faz tão mal para a população, proíbe tudo. Por que está regulamentando? Agora, eu nunca aceitei fazer publicidade para casas de apostas não regulamentadas. E eu recebo muita oportunidade, muitas propostas para fazer […] Se for decidido por vocês que tem que acabar, eu concordo”, disse Virginia.
Virginia disse, também, que “não ficou milionária com bets” e que a Wepink, sua marca de maquiagem, faturou R$ 750 milhões em 2024.
Questionada se “vale a pena” seguir fazendo propagandas de bets, Virginia disse que vai “chegar em casa e pensar, pode ter certeza”.
Direito ao silêncio
A influenciadora, que tem 26 anos e reúne mais de 50 milhões de seguidores, terá o direito a ficar em silêncio em perguntas que possam incriminá-la.
Decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), estabelece que Virginia deverá, no entanto, responder às perguntas relacionadas a outros investigados e que ela não poderá faltar com a verdade.
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Virginia Fonseca — Foto: Reprodução/Redes Sociais
Foto com senador e ‘circo’
Segundo a usar a palavra, o senador Cleitinho (Republicanos-MG) disse que não faria perguntas a Virginia, que é uma “geradora de riqueza”, e direcionou críticas aos senadores e à própria CPI.
O senador disse que é a favor da extinção das bets como um todo; que os senadores não teriam “moral” para criticar Virginia; e que ela deveria fazer propaganda contra as casas de aposta. E, em seguida, pediu para “tirar uma selfie” com a influenciadora – que riu e aceitou a foto.
Em seguida, no entanto, Cleitinho foi repreendido ao microfone pelo presidente da CPI, dr. Hiran (PP-RR).
“Eu estou aqui nessa Casa há mais de 10 anos, ninguém aponta o dedo para mim. Porque é por isso que eu cuido dessa CPI e não deixo que isso aqui vire ‘circo’. Porque no dia que começar a virar ‘circo’, acaba essa CPI, acabou. O presidente sou eu, uso minha prerrogativa com muito respeito a todos”, disse Hiran.
“Nós temos essa senhora na condição de testemunha, ninguém vai apontar o dedo para ela. Está aqui como testemunha, e eu aqui para salvaguardar os direitos dela”, seguiu.
Convocação
Virginia Fonseca foi convocada a depor em dezembro do ano passado, a pedido da relatora da CPI, senadora Soraya Thronicke (Podemos-MS).
Soraya afirma que, ao longo dos últimos anos, a influenciadora esteve “envolvida em campanhas de marketing para casas de apostas” e que a oitiva é necessária para entender o “papel de influenciadores de grande alcance na promoção de jogos de azar e apostas online”.
Ao lado de outras celebridades digitais, Virginia e o marido, Zé Felipe, fizeram propagandas para duas casas de apostas: a Esportes da Sorte e a Blaze.
Ambas têm autorização do Ministério da Fazenda para operar no Brasil.
“[A convocação é] justificada por sua expressiva popularidade e relevância no mercado digital, onde exerce forte influência sobre milhões de seguidores em diversas plataformas. Como uma das maiores personalidades da internet no Brasil, Virginia desempenha um papel central na promoção de marcas e serviços, incluindo campanhas publicitárias relacionadas a jogos de azar e apostas online”, diz Soraya Thronicke.
CPI mira influenciadores
Virginia não deve ser a única influenciadora a ser ouvida pela CPI das Bets. Nesta quarta (14), a comissão de inquérito deve ouvir o influencer Rico Melquiades, que reúne mais de 10 milhões de seguidores e se identifica como embaixador da casa de apostas ZeroUm.
Em janeiro deste ano, Rico foi alvo de uma operação da Polícia Civil de Alagoas que investiga a oferta irregular de jogos de azar na internet. À época, ele negou qualquer ilícito e afirmou que teve um carro apreendido.
A agenda da CPI nesta quarta prevê, ainda, o depoimento da ex-BBB Adélia Soares. Ela é advogada da influenciadora Deolane Bezerra e dona de uma empresa apontada pela Polícia Civil do Distrito Federal como fachada para uma organização estrangeira que opera ilegalmente jogos de azar no Brasil.
Também há o desejo de esclarecer possíveis conflitos éticos no uso de influenciadores digitais e discutir uma possível regulamentação.
A comissão de inquérito das Bets tem até junho deste ano para concluir os trabalhos. Instalada em novembro passado, a CPI investiga:
- a influência das apostas online no orçamento das famílias brasileiras;
- a possível associação das bets com organizações criminosas envolvidas em práticas de lavagem de dinheiro;
- e o uso de influenciadores digitais na promoção e divulgação dessas atividades.
G1