Weber Andrade*
Tenho observado que certos comportamentos, que acreditava serem exclusivos de humanos, também existem entre animais. Bons ou ruins, são hábitos que se tornam vícios. Os cães, pela sua ancestral ligação com os homens têm demonstrado assimilação muito grande desses comportamentos, mas, em geral, eles refletem, como crianças, o que fazem os seus tutores.
O ser humano em geral é uma espécie altamente nociva ao ambiente em que vive, com poucas exceções. Destrói tudo o que vê pela frente e tem propensão à vilania, à maldade. Tenho conhecido muitos assim, como diria o ditado, lobos em pele de cordeiros. Há alguns que gostam de posar de bonzinhos, mas tudo o que fazem pelo seu semelhante tem que ser propalado aos quatro ventos, como galinhas, que sempre cantam após botar um ovo.
Certa vez, ainda bem novo, tive que ir morar em uma propriedade rural, por falta de condições para tocar a vida na cidade, perdido do pai, que falecera subitamente. Fui levado por um amigo dele para viver na roça, em uma propriedade onde predominavam as lavouras de café conilon.
Posso dizer que lá meu caráter foi moldado para melhor. Aprendi a trabalhar duro, capinar, roçar, fazer queijo, angu, torrar café e tratar os meus semelhantes mais humildes com respeito. Posso dizer que foi um aprendizado fantástico.
Mas, quando já estava acostumado com aquela vida, que eu considerava muito boa – tinha excelente comida, onde dormir, tomar banho e ainda ganhava dinheiro – meu protetor decidiu que estava na hora de eu meter o pé, como dizem na gíria de hoje.
– Isso aqui não é lugar pra você. Vai ser feliz, escrever, fazer boas coisas, aconselhou o patrão.
Foi um momento de quase desespero, ter que voltar à cidade, às manhas e manias que nos tornam seres tão cruéis.
Foi lá, no Alto Dourado, na minha terra natal, Mutum, já subindo para as montanhas capixabas, que aprendi que o trabalho, seja braçal ou intelectual, são igualmente capazes de empoderar o ser humano.
E também foi lá que pude observar comportamentos que achava exclusivamente humanos, também em animais. Um dos casos mais interessantes foi o de uma ave que habitava o grande terreiro em frente à casa principal da propriedade. Bem próximo à casa ficava o galinheiro, construído em alvenaria, com telhado de “eternit” onde as galinhas podiam dormir sem medo de serem atacadas por outros animais.
Acontece que havia também por lá, muitos patos. Estes não chegavam a dormir no galinheiro e tinham para si um enorme lago que se estendia da porta da cozinha até uma distância de mais de 200 metros, onde nadavam e, em cujas margens, nidificavam.
Entre os muitos patos, havia um, já velho e gordo. Considerando que os patos vivem até quinze anos, creio que este tinha já uns dez. Negro com detalhes em branco, era um belo pato e gozava da simpatia de todos, pelo seu andar arrastado e pela sua avidez sexual. Achávamos lindo vê-lo cair de lado após a cruza…
Mas o danado do pato, deu pra comer pintos… Não sei dizer se já o fazia há muito tempo, mas quando o vi pela primeira vez na porta do galinheiro, logo cedinho, agarrando um pintinho com o bico, diante de uma galinha enfurecida, fiquei pasmo. Contei para o patrão e começamos a observa-lo. Vez em quando ele se aproximava de uma galinha cheia de pintinhos, agarrava um deles e fugia correndo desengonçado em direção ao lago, perseguido pela mãe furiosa.
Passei a vigia-lo de perto e, um dia, logo quando ele se aproximou da galinha, peguei-o e apliquei-lhe uma surra que o fez ficar sumido por uns dias. Mas, como disse no início desta crônica, hábitos tornam-se vício, e o pato, logo, logo voltou a caçar pintos.
Em outra surra, acabei quebrando-lhe a asa e achei que o pato, desta vez, tomaria emenda. Mas quá…Em dois ou três dias, lá estava o pato na porta do galinheiro, arrastando a asa quebrada, mas louco pra abocanhar um pinto suculento.
A solução encontrada para acabar com a matança de pintos veio do patrão. Como eu havia sido promovido a cozinheiro da fazenda, ele sugeriu:
-No próximo domingo, vou trazer mamãe e papai – apesar de ter quase 60 anos ele ainda os chamava assim, carinhosamente – para almoçar. Que tal fazer aquele pato assado para eles?
Assim terminou a história do pato que comia pintos. Foi parar numa bandeja bonita, dourado e rodeado de batatas e laranja.
*Weber Andrade é editor de Conteúdo do site ocontestado.com