Weber Andrade*

Dona Maria Rita Pereira, que mora há mais de 90 anos em Barra de São Francisco vai completar 114 anos no dia 15 deste mês e provavelmente é a segunda mulher mais idosa do Espírito Santo. Descoberta pelo prefeito Alencar Marim, em meados de 2019, quando ele entregava o título de posse de um terreno a uma família do bairro Nova Barra, ela mantém até hoje uma vitalidade impressionante para a sua idade, mas, já não consegue ouvir quase nada do que as pessoas falam com ela.
“É preciso gritar um pouco, perto do ouvido esquerdo, onde ela houve melhor”, ensina Zenilda Rita de Jesus, 71 anos, conhecida como dona Santa, única filha viva de dona Rita e com quem ela mora, no bairro irmãos Fernandes.
Dona Santa conta que nunca pensou em comprar um aparelho auditivo para a mãe, até porque a família tem poucos recursos.
O aposentado Cícero Heitor Pontes Pereira, 84 anos, morador do centro de Barra de São Francisco, também vem sofrendo com a perda de audição nos últimos anos. “Eu já falei que ele tem que comprar um aparelho auditivo, mas ele resiste”, comenta o filho, Marcio Fabiano.
Estudo feito em conjunto pelo Instituto Locomotiva e a Semana da Acessibilidade Surda revela a existência, no Brasil, de 10,7 milhões de pessoas com deficiência auditiva. Desse total, 2,3 milhões têm deficiência severa. A surdez atinge 54% de homens e 46% de mulheres. A predominância é na faixa de 60 anos de idade ou mais (57%). Nove por cento das pessoas com deficiência auditiva nasceram com essa condição e 91% adquiriram ao longo da vida, sendo que metade foi antes dos 50 anos. Entre os que apresentam deficiência auditiva severa, 15% já nasceram surdos. Do total pesquisado, 87% não usam aparelhos auditivos.
Dois em cada três brasileiros relataram enfrentar dificuldades nas atividades do cotidiano. Com isso, eles se divertem menos, têm menos chance no mercado de trabalho, não têm as mesmas oportunidades educacionais que os ouvintes têm. A falta de acolhimento e inclusão limitam o acesso dos surdos às oportunidades básicas, como educação (somente 7% têm ensino superior completo; 15% frequentaram até o ensino médio, 46% até o fundamental e 32% não possuem grau de instrução).
Vinte por cento das pessoas com deficiência auditiva idosos não conseguem sair sozinhas, só 37% estão no mercado de trabalho e 87% não usam aparelhos auditivos.
“A deficiência auditiva é uma deficiência que se agrava com o passar dos anos. E como o Brasil está passando por um processo de envelhecimento da população, hoje já temos 59 milhões de brasileiros com mais de 50 anos e, em 2050, vamos chegar com mais de 98 milhões de brasileiros com mais de 50 anos de idade, essa é uma tendência que só vai crescer”, disse Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. Completou que a “sociedade, claramente, não está preparada para isso”.
Nesse cenário de envelhecimento crescente da população brasileira, Meirelles destacou que oferecer condições de inclusão para as pessoas com deficiência auditiva é cada vez mais importante, “porque o número dessas pessoas só vai crescer”.
Custo do aparelho desanima
Em países da Europa, como Portugal, fabricantes de aparelhos auditivos oferecem um modelo gratuitamente a pessoas idosas. Basta preencher um cupom com os dados e mandar para o fabricante, que o produto chega na casa do idoso. Uma forma de formar cadastro e vender aparelhos mais sofisticados.
No Brasil essa realidade é bem diferente. Em uma rápida pesquisa na internet, pode-se encontrar aparelhos auditivos que vão de R$ 150 a R$ 10 mil. Mas ainda é preciso uma consulta com uma fonoaudióloga, que não sai por menos de R$ 200, se a pessoa não tiver um plano de saúde, para verificar o aparelho ideal.
SUS fornece o aparelho gratuitamente
Uma coisa que poucos deficientes auditivos sabem é que o Sistema Único de Saúde (SUS) fornece, adapta e faz o acompanhamento dos aparelhos auditivos em praticamente todo o Brasil. A espera varia de cidade para cidade.
Segundo dados da Coordenação Geral de Saúde da Pessoa com Deficiência, em 2017 já havia 214 centros do SUS com reabilitação auditiva, sendo 56 de média complexidade, 73 de alta complexidade, além dos 85 Centros Especializados em Reabilitação (CER). Todos os Estados possuem pelo menos um local do SUS em que se trabalha com saúde auditiva.
Qual o primeiro passo?
Os passos para solicitar os aparelhos pelo SUS podem ter pequenas diferenças de estado para estado, pois cada um regulamenta seu orçamento e fluxo, mas todos começam no posto do SUS, também conhecido como Unidade Básica de Saúde, mais próximo de você. Com o cartão nacional de saúde e seus documentos, peça para agendar uma consulta com um médico. Se você já tiver algum exame feito, como audiometria, leve à consulta.
A realização de exames nesta etapa vai depender se tem esse serviço no atendimento básico de saúde da sua cidade, se não houver, os exames serão na segunda etapa. O médico ou fonoaudiólogo preencherá um formulário de encaminhamento do SUS, indicando a possibilidade de surdez ou a certeza dela, e a necessidade de reabilitação auditiva.
Com este formulário e documentos (originais e cópias do RG, CPF, cartão do SUS, comprovante de residência e se for estudante, atestado de matrícula) o paciente dará início ao encaminhamento no posto de saúde ou no lugar indicado pela Secretaria da Saúde.
Assim, entrará na fila de espera no sistema chamado SISREG (Sistema de Nacional de Regulação do SUS). Se o lugar de atendimento for longe de onde você mora, peça no posto de saúde o Tratamento Fora do Domicílio (TFD), que inclui o transporte, alimentação e se necessário, pernoite na cidade do atendimento.
Quando for convocado para o Serviço de Atenção à Saúde Auditiva, que é definido por região em cada estado, você vai fazer consultas com médico otorrinolaringologista e fonoaudiólogo, além de exames para poder verificar o melhor tratamento para o seu caso e receber os aparelhos auditivos se houver indicação. Ou ainda será encaminhado para implante coclear ou prótese auditiva ancorada no osso.
Já está esperando os aparelhos auditivos pelo SUS? Agora começa a parte da fiscalização por sua conta, não dá pra esperar sentado. Procure mensalmente a Secretaria da Saúde e o posto do SUS para perguntar sobre o seu processo, peça para algum amigo ou parente ligar e perguntar como está a sua previsão de ser chamado e se faltou algum documento.
Já aconteceu de perderem algum documento do processo, e por isso o paciente não foi chamado e nem avisado da situação, durante anos. Fique sempre de olho! Em último caso, acione a Defensoria Pública ou Ministério Público para investigar por que não está fluindo o atendimento na sua cidade.
Mas quem recebe os aparelhos pelo SUS?
Os pacientes que apresentam dificuldades de comunicação por causa da perda auditiva são potenciais candidatos ao uso de AASI, e conforme literatura médica e fonoaudiológica são categorizados em 3 classes:
Classe 1
Adultos com perda auditiva bilateral (nos dois lados) permanente que apresentem, no melhor ouvido, média nas freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, acima de 40 dB.
Crianças (até 15 anos incompletos) com perda auditiva bilateral permanente que apresentem, no melhor ouvido, média nas freqüências de 500, 1000, 2000 e 4000 Hz, acima de 30 dB.
Classe 2
Há controvérsias quanto à indicação do uso de AASI, mas o paciente é encaminhado para o uso das próteses se houver parecer favorável da equipe do Serviço de Saúde Auditiva.
Crianças com perdas auditivas entre 20 dBNA e 30 dBNA (perdas auditivas leves).
Pessoas com perdas auditivas unilaterais (desde que apresentem dificuldades de integração social e/ou profissional), ou perda auditiva flutuante bilateral, ou perda auditiva profunda bilateral pré-lingual, não-oralizadas (desde que apresentem, no mínimo, detecção de fala com amplificação).
Pessoas adultas com perda auditiva e distúrbios neuropsico-motores graves, sem adaptação anterior de AASI e sem uso de comunicação oral, ou com alterações neurais ou retrococleares (após teste) ou com perda auditiva limitada a freqüências acima de 3000 Hz.
Classe 3
Não há indicação, ou há contra-indicação do uso de AASI.
Pessoas com intolerância a todo tipo de amplificação/controle de ganho devido a um recrutamento intenso, ou anacusia unilateral com audição normal no outro ouvido.
*Adaptado do Anexo IV da Portaria MS 587/ 2004
* Com site cronicasdasurdez.com