Há cerca de 25 anos, uma jovem francisquense, então casada com um homem mais velho do que ela e com o qual teve dois filhos, teve a infelicidade de ver o marido acometido pela doença de Alzheimer, principal causa de demência entre os idosos no mundo. Naquela altura, até o tratamento para mitigar os efeitos da doença era difícil. Faltavam medicamentos e os que havia, eram muito caros. O marido faleceu após alguns anos sendo cuidado em casa.
A origem da doença ainda é desconhecida, mas acredita-se que em 10% dos casos ela é passada de pais para filhos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o Brasil tenha 1,2 milhões de pessoas com a doença. Neste mês, seguindo a tendência das campanhas de saúde anuais, o Ministério da Saúde (MS) e a Associação Brasileira de Alzheimer (Abraz), lançaram a campanha Fevereiro Roxo, em busca de conscientização sobre a doença.
O Alzheimer destrói as funções do cérebro e não tem cura. Aos poucos, o paciente vai perdendo a memória e a noção de tempo e espaço. No estágio mais avançado, perde a capacidade de andar e se alimentar.
No início deste ano, cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conseguiram estabelecer uma relação entre os níveis de irisina — um hormônio produzido pelo corpo durante exercícios físicos — e um possível tratamento para a perda de memória causada pela doença de Alzheimer. O estudo, feito em parceria com outras universidades e institutos, foi publicado na segunda, 7 de janeiro, na revista “Nature Medicine”, usou ratos como cobaias, mas ainda levará um tempo para chegar aos humanos.
Uma das variações da demência, a doença é comum em pessoas com mais de 60 anos. Segundo o MS, a prevalência com pessoas com 65 anos ou mais é de 11,5%. A Abraz aponta que 1,2 milhão de brasileiros convivem com esse tipo de demência.
Atendimento – Ao procurar o Sistema Único de Saúde (SUS), os familiares e pacientes têm acesso ao tratamento integral e gratuito, o que inclui diagnóstico, medicações e monitoramento da doença. Para tanto, são realizados exames de imagem do cérebro, como tomografias e ressonâncias, mas a avaliação clínica é ainda mais preponderante na definição do quadro.
Apesar de não ter cura, existe tratamento para aliviar os sintomas do Alzheimer. Os medicamentos e os serviços multidisciplinares para melhorar a qualidade de vida dos pacientes estão disponíveis na rede pública de saúde do Brasil.
Essa iniciativa inclui fonoaudiólogo, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e suporte psicológico e familiar. Hoje, 139 Centros Especializados em Reabilitação pelo país fornecem esse atendimento global aos pacientes. Além disso, o SUS também distribui a Memantina, usado no tratamento de pessoas com Alzheimer.
Mudanças – A doença se manifesta a partir da atrofia do cérebro, que perde neurônios e sinapses. Além disso, o acúmulo da proteína beta-amiloide na massa encefálica também contribui para as alterações.
Esse quadro leva a mudanças de comportamento e falhas cognitivas de memória, orientação, atenção e linguagem. “A nossa vida mudou completamente. Ele demora muito para responder. E a maioria das perguntas que faço para ele, o Geraldo não sabe ou esqueceu”, lamentou Marina.
Presidente da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia, o geriatra do Hospital Universitário de Brasília (HUB) Marco Polo Dias Freitas explica que a família deve estar atenta a esses sinais. E ressalta: perda de memória não significa necessariamente uma doença. “Para falar do ponto de vista de demência, é quando a pessoa começa a perder habilidades adquiridas e deixa de fazer coisas que aprendeu ao longo da vida, muitas vezes são habilidades mais complexas. Aí começa a ser preocupante.”
A perspectiva de vida para os diagnósticos de Alzheimer é de 10 a 15 anos. Como os medicamentos são pouco eficazes para retardar a doença, Marco Polo frisa que a terapia multidisciplinar é uma alternativa que melhora a qualidade de vida. (Weber Andrade com Agência Brasil)
Doença é degenerativa e tem três estágios
Leve: é comum que os pacientes tenham perda de memória recente e fiquem desorientados em relação ao tempo e espaço, além de poderem apresentar sinais de agressividade e queda de motivação.
Moderado: com a progressão da doença, o esquecimento se torna mais profundo, e o paciente tem mais dificuldades de lembrar acontecimentos e nomes de conhecidos. Ele passa a depender de ajuda de cuidadores para realizar a higiene pessoal e apresenta dificuldades na fala.
Grave: no período mais avançado, o resgate de memórias mais enraizadas também representa um grande esforço para o paciente, como lembrar-se de amigos e parentes. Nessa fase, a capacidade motora também fica mais comprometida.

Testes com irisina apresentam
esperança contra perda de memória
Cientistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) conseguiram estabelecer uma relação entre os níveis de irisina — um hormônio produzido pelo corpo durante exercícios físicos — e um possível tratamento para a perda de memória causada pela doença de Alzheimer. O estudo, feito em parceria com outras universidades e institutos, foi publicado nesta segunda, 7, na revista “Nature Medicine”.
Os testes foram feitos em camundongos com a doença — que produziam o hormônio ao fazer exercícios ou recebiam doses dele. Os autores explicam que três novidades foram descobertas:
Existem baixos níveis de irisina no cérebro de pacientes afetados pelo Alzheimer. Essa mesma deficiência foi vista nos camundongos que foram usados como modelo no estudo.
A reposição dos níveis de irisina no cérebro, inclusive por meio de exercícios físicos, foi capaz de reverter a perda de memória dos camundongos afetados pelo Alzheimer. A irisina é o que regula os efeitos positivos do exercício físico na memória dos camundongos.
“A grande contribuição do nosso estudo foi mostrar que os níveis desse hormônio estão de fato diminuídos nos cérebros dos pacientes com Alzheimer. Em segundo lugar, foi tentar investigar se repor os níveis desse hormônio no cérebro dos camundongos seria bom para a memória. E nós vimos que, de fato, se você aumentar os níveis de irisina, melhora a memória.
E, finalmente, foi demonstrar que a irisina é, justamente, o intermediário entre o efeito benéfico do exercício e a melhora de memória”, explica o professor da UFRJ Sergio Ferreira, um dos autores do estudo. Algumas outras funções da irisina em vários órgãos do corpo já eram conhecidas, como a de regular o metabolismo do tecido adiposo e até de processos que acontecem nos ossos.
Para os autores Mychael Lourenço e Fernanda De Felice, ambos da UFRJ, as descobertas reforçam a importância dos exercícios físicos no combate à doença. Além disso, lembram, o fato de a irisina ser produzida pelo próprio organismo diminui as chances de efeitos colaterais, o que dá esperança para novos tratamentos.
“É diferente de uma droga desenvolvida em laboratório, por exemplo, porque se sabe menos ainda sobre o que pode causar de efeito colateral. Infelizmente não há um tratamento para Alzheimer que funcione, então a busca é muito importante”, diz.
Para De Felice, a novidade foi perceber os efeitos benéficos no cérebro tanto da irisina que foi aplicada nos camundongos como daquela produzida com exercícios físicos.
“Nossas descobertas reforçam a importância da atividade física para prevenir a perda de memória e doenças do cérebro, inclusive a doença de Alzheimer, já que mostramos que a administração de irisina consegue mimetizar, ao menos em modelos animais, os efeitos do exercício físico no cérebro”, avalia.
Descoberta – Os cientistas levantaram a hipótese de que a irisina poderia ser importante para a doença de Alzheimer há sete anos, quando o hormônio foi descoberto por um pesquisador de Harvard. Ficou constatado que ele melhorava os sintomas de diabetes tipo 2 em camundongos.
“Nós sabíamos que quem tem diabetes tipo 2 tem mais chances de desenvolver Alzheimer, e isso ficou muito tempo sem muita explicação”, esclarece Mychael Lourenço. “Estudos de vários laboratórios mostraram que, ao que parece, os mecanismos que atuam no corpo para gerar a diabetes tipo 2 são muito parecidos com os que atuam no cérebro para causar Alzheimer”, explica o pesquisador.
Daí surgiu, então, a possibilidade de que o hormônio pudesse ter algum efeito protetor sobre o cérebro. “Felizmente, conseguimos achar essa relação”, diz Lourenço.
Ao todo, o estudo foi feito por 25 cientistas de diversos países, com participação das universidades de Columbia e do Kentucky, nos EUA, da Queen’s University e da Universidade do Oeste de Ontário, no Canadá, e ainda da Fiocruz e do Instituto D’Or, ambos no Rio.
Apesar de promissores, os resultados ainda precisam de mais estudos antes que um tratamento para pacientes possa ser implementado. “É claro que é preciso sempre ter em mente que nosso estudo foi feito em camundongos — e nem sempre o que acontece em camundongos acontece da mesma forma em seres humanos”, lembra Sergio Ferreira. Para ele, no entanto, a etapa clínica — em que os estudos são feitos com seres humanos — pode ter dificuldades de ser feita no Brasil.
“Não sei se teríamos condições de fazer isso aqui. Se tivéssemos recursos financeiros e de infraestrutura para isso, com certeza seria de todo interesse nosso. Caso contrário, é possível — acho que é muito provável, na verdade — que isso seja feito em outros países”, avalia. Mesmo assim, Ferreira, calcula que o planejamento de testes em humanos não leve menos do que três ou quatro anos.
doença demoravam mais tempo a achar a plataforma — ou nem sequer a achavam. Quando tinham a irisina aplicada (ou a produziam com exercícios), conseguiam achá-la normalmente.
De acordo com Lourenço, o efeito do hormônio não foi testado a longo prazo, mas a eficácia se manteve enquanto os experimentos duraram. Ele acredita que um futuro tratamento com a substância não será de uma dose única, mas que, com uma reposição contínua, seria possível manter os níveis do hormônio. (G1 Ciência e Saúde)