Aproximadamente duas mil pessoas foram diagnosticadas com incapacitações provocadas pela hanseníase no Espírito Santo, entre 2010 e 2019. O número corresponde a 27% do total de casos registrados no Estado e sinaliza que grande parte dos pacientes ainda chega ao consultório em estados avançados da doença.
O alerta faz parte de um levantamento inédito da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD), baseado em dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), do Ministério da Saúde.
O último domingo de janeiro, 31, marca o Dia Mundial contra a Hanseníase, oficializado pelo Ministério da Saúde como Janeiro Roxo. O tema deste ano é “Hanseníase: conhecer para não discriminar”, e retoma para a importância da conscientização e para o enfrentamento ao estigma e discriminação às pessoas acometidas pela doença.
Ao todo, a SBD identificou a ocorrência de 6.814 casos novos da doença no Espírito Santo na última década. As incapacidades da hanseníase são geralmente representadas por alguma deformidade física e diminuição ou perda de sensibilidade nos olhos, nas mãos e nos pés.
Dados do Programa Estadual de Hanseníase apontam que no ano de 2019 o Espírito Santo diagnosticou 501 casos de hanseníase, sendo que a faixa etária mais atingida foi a de pessoas acima de 15 anos, do sexo masculino. Já os indicadores do ano de 2020 estão sendo copilados e serão consolidados até o final de março.
Apesar desta situação, o Espírito Santo, entre os Estados da região Sudeste, o que menos registrou casos da doença nos últimos 10 anos. São Paulo teve 14.891 casos. Veja tabela abaixo:
Janeiro Roxo – Como janeiro é o mês dedicado à conscientização, combate e prevenção da hanseníase no País, a SBD somou forças para apontar a importância de se enfrentar essa doença tropical de evolução crônica, que se manifesta principalmente por meio de lesões na pele e sintomas neurológicos, como dormência e diminuição de força nas mãos e nos pés.
A Região Sudeste do País figura na quarta posição em número de casos novos detectados ao longo da última década: 15% do total, o equivalente a 47.272 mil casos. Em primeiro lugar aparece o Nordeste, com 43% dos registros, seguido do Centro-Oeste, com 19,5%. Na terceira posição, está a Região Norte (19%). Somente 3,5% dos novos pacientes identificados nos últimos dez anos estão no Sul do Brasil.
Entre os Estados, o Espírito Santo aparece na décima primeira posição, com 2% dos pacientes registrados de 2010 a 2019.
Na liderança do ranking estão: Maranhão, com 36.482 registros (12%); Mato Grosso, com 33.104 (11%); e Pará, com 31.611 (10%).
Os Estados de Roraima, Rio Grande do Sul e Amapá apresentam os melhores índices, diagnosticaram menos de 1.500 casos novos da doença na década.
Diagnóstico e Tratamento
“São números alarmantes e, apesar disso, a hanseníase ainda é considerada uma doença negligenciada. Trata-se de um contexto contra o qual a SBD e muitos gestores públicos têm trabalhado arduamente ao longo dos anos, a fim de conscientizar a população sobre as manifestações clínicas da doença e assegurar a todos acesso ao diagnóstico e ao tratamento precoce”, ressalta Mauro Henokihara, presidente da SBD.
Segundo ele, a detecção precoce da doença é fundamental para que o paciente evolua sem sequelas e para diminuir a chance de transmissão para outras pessoas, em especial aquelas com quem convive de maneira regular e próxima. “Infelizmente, observamos um aumento na proporção de novos casos que chegam ao médico com o que chamamos de Grau 1 e 2 de incapacidade física, deformidades e incapacidades físicas às vezes irreversíveis”, pontua o dermatologista.
Pelos números apurados pela SBD no Sinan/MS, em 2010 os casos novos diagnosticados no Espírito Santo com algum tipo de deformidade (Grau 2) e com diminuição ou perda da sensibilidade nos olhos, mãos ou pés (Grau 1) representavam 24% do total. Os últimos dados nacionais disponíveis, referentes a 2019, mostram que essa proporção não apresentou avanços, se mantendo em torno da mesma faixa (26%).
Perfil do paciente
Na maior parte do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a doença preocupa mais com as mulheres quando o assunto é hanseníase, pois elas são mais afetadas pela doença. No Brasil, no entanto, são os homens os mais afetados: 55% dos casos novos detectados na última década. No Brasil, mais da metade dos pacientes com diagnóstico de hanseníase na década tinham entre 50 e 59 anos (18%), 40 e 49 anos (18%) e 30 e 39 anos (17%). Outra parcela significativa tinha mais de 60 anos (22%) ou estava na faixa entre 20 e 29 anos (12%).
Para Sandra Durães, coordenadora do Departamento de Hanseníase da SBD, isso pode estar relacionado a uma série de fatores, como a classe social e a menor frequência com que eles vão a consultas médicas. “A hanseníase tem uma característica interessante: a pessoa precisa estar atenta aos sinais o próprio corpo. Muitas vezes são manchas silenciosas, que não doem e não coçam. E sabemos que, culturalmente, o homem brasileiro tem mais dificuldade de ir ao médico e cuidar da própria saúde”, ressalta.
Os analfabetos e com ensino fundamental incompleto representam 54% das notificações da doença nos últimos dez anos. “A hanseníase está classificada entre as doenças ditas negligenciadas, que atingem populações com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). O Brasil, apesar de estar entre as grandes economias mundiais, apresenta grande desigualdade social. Nas periferias de suas metrópoles, existem grandes bolsões de pobreza caracterizados por habitações insalubres e difícil acesso aos serviços de saúde”, lembra Sandra Durães.
A especialista alerta, no entanto, que, por se tratar de doença endêmica, a rigor toda a população está exposta e pessoas de maior poder aquisitivo também podem adoecer.
Tratamento no Espírito Santo
Após o diagnóstico, disponível nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), os pacientes recebem o tratamento completo baseado em poliquimioterapia (PQT), ou seja, associação de vários medicamentos, conforme forma clínica. O diagnóstico precoce e o tratamento da hanseníase interrompem a cadeia de transmissão.
Segundo a referência técnica do Programa Estadual de Hanseníase, Alexandra Mello, a hanseníase carregou por muitos anos o preconceito, pelo seu poder de causar incapacidade e deformidades físicas. Ela é uma doença que tem tratamento e cura, mas que ainda no século XXI está rodeada de mitos.
“Durante muitos anos, os pacientes com hanseníase eram isolados como forma de tratamento, por meio da política de isolamento compulsório. Ainda hoje, o desconhecimento e o preconceito com a doença existem e o medo das sequelas também”, explica a profissional. Ela lembra que, quanto antes o paciente fizer o diagnóstico e iniciar o tratamento, maiores serão as chances de evitar deficiências ou sequelas. (Weber Andrade com Secom/ES e SBD)