A intenção do presidente Jair Bolsonaro de “comemorar’ o golpe militar de 1964, que completa 55 anos neste domingo, não está sendo “digerida” pelas entidades organizadas, como a 5ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e também pela sociedade organizda de Barra de São Francisco e região, ecoando os protestos de todo o país.
Bolsonaro determinou ao Ministério da Defesa que faça as “comemorações devidas” do aniversário do 31 de março de 1964, quando um golpe militar derrubou o então presidente João Goulart e iniciou um período ditatorial que durou 21 anos. Conforme revelou o Estado no domingo, 24, a orientação foi repassada a quartéis pelo País.
Segundo o porta-voz da Presidência da República, general Otávio Santana do Rêgo Barros, a inclusão da data na ordem do dia das Forças Armadas, para comemoração dos 55 anos do golpe de 1964, já foi aprovada por Bolsonaro. A participação do presidente nesses eventos, porém, ainda não está confirmada.
A advogada e secretária municipal da Fazenda, Gardiane Caetano Oliveira, mostrou um recorte de jornal em sua página no facebook, onde se vê a descrição e a foto de Aurora Maria Nascimento Furtado, uma revolucionária que foi torturada até morrer pelo DOI-CODI, no Rio de Janeiro. “O Presidente do Brasil determinou a realização de uma comemoração para celebrar o Golpe de 64, então comecemos”, descreve ela, antes da foto de jornal onde se vê a história de Aurora Maria Nascimento Furtado, morta em novembro de 1972 pelo Doi-Codi após série de torturas.
O aposentado Josué Pantaleão também se mostrou preocupado com a posição do presidente da República. “Tanto por fazer pelo país e ele preocupado com a ditadura. Ops, ele disse que não houve. Não está preocupado com o que seus pares fizeram de ruim com o povo brasileiro.”
Já o presidente da 5ª Subseção da OAB, Raony Fonseca Scheffer Pereira, se manifestou preocupado e disse que comemorar o Golpe de 64 “é algo grave sob a ótica constitucional”. (Veja mais abaixo o texto completo).
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), colegiado que funciona no âmbito da Procuradoria Geral da República (PGR), também criticou a decisão do presidente Jair Bolsonaro de determinar a comemoração do golpe que implantou a ditadura militar no Brasil em 31 de março de 1964. Em um texto duro, assinado pela procuradora federal dos Direitos do Cidadão, Deborah Duprat, e por três procuradores auxiliares, o Ministério Público Federal (MPF) afirma que “festejar a ditadura é festejar um regime inconstitucional e responsável por graves crimes de violação aos direitos humanos”.
“Essa iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto, merece repúdio social e político, sem prejuízo de repercussões jurídicas”, diz a nota pública divulgada nesta terça-feira, 26.
NÃO FOI GOLPE – “O presidente não considera 31 de março de 1964 um golpe militar”, disse o porta-voz. Segundo Rêgo Barros, na avaliação de Bolsonaro, sociedade civil e militares, “percebendo o perigo” que o País vivenciava naquele momento, se uniram para “recuperar e recolocar o nosso País no rumo”. “Salvo melhor juízo, se isso não tivesse ocorrido, hoje nós estaríamos tendo algum tipo de governo aqui que não seria bom para ninguém”, disse o porta-voz.
Questionado sobre como serão as comemorações, Rêgo Barros disse que ficará a cargo de cada comando. “Aquilo que os comandantes acharem, dentro das suas respectivas guarnições e dentro do contexto, que devam ser feitas”, disse. Não há previsão de que haja qualquer evento no Palácio do Planalto.
Generais da reserva que integram o primeiro escalão do Executivo, porém, pediram cautela no tom para evitar ruídos desnecessários diante do clima político acirrado e do risco de polêmica em meio aos debates da reforma da Previdência no Congresso.
Em um governo que reúne o maior número de militares na Esplanada dos Ministérios desde o período da ditadura (1964-1985) – o que já gerou insatisfação de parlamentares -, a comemoração da data deixou de ser uma agenda “proibida”. Ainda que sem um decreto ou portaria para formalizá-la, a efeméride volta ao calendário de comemorações das Forças Armadas após oito anos. (Weber Andrade com Agência Brasil e G1)
Comemorar o Golpe de 1964 afronta
as conquistas do Estado Democrático
O presidente da OAB regional, Raony Fonseca Scheffer Pereira, também emitiu sua opinião sobre a proposta do presidente: “Comemorar o golpe de 1964, que envolve a “ditadura militar”, é algo muito grave sob a ótica constitucional, que, ao nosso sentir, afronta importantes conquistas supervenientes do Estado Democrático de Direito, uma vez que celebra um golpe de Estado e um regime ditatorial que resultou em odiosas violações sistemáticas aos direitos humanos, além de crimes internacionais. O regime militar durou 21 anos (1964-1985), e estabeleceu censura à imprensa, restrição à direitos políticos e perseguição aos opositores à ditadura, o que não foi nada positivo e causou muitos sofrimentos.
Promoveu-se o rompimento violento e antidemocrático da ordem constitucional. Houveram crimes bárbaros (execuções sumárias, desaparecimento de pessoas, extermínios de povos indígenas, torturas, violações sexuais), perpetrados como meio de perseguição social aos opositores.
Foram excessos e abusos cometidos por uma política de governo, decidida nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos então presidentes da República. Desconhecemos qualquer precedente histórico da mesma natureza. É um absurdo celebrar algo tão sombrio e temeroso.
O que devemos comemorar é o fim da ditadura, dizer não a qualquer golpe de estado, e sermos contra as memórias desse passado negro para que ele não venha a se repetir na atual conjuntura social em que vivemos. Ainda estamos longe de uma política ideal para o povo brasileiro (que todos nós precisamos e merecemos), mas o grande legado desses 30 anos de nova república é a constante busca da estabilidade política.
Conseguimos instituições fortes e independentes. Nós temos hoje os poderes Legislativo e Judiciário funcionando, temos partidos políticos, uma polícia federal e um Ministério Público independentes. O Brasil está a caminho da maturidade política.
A Ordem dos Advogados do Brasil foi à época a maior instituição combatente e responsável pelo fim da ditadura e pela restauração do Estado Democrático de Direito, e estaremos sempre vigilantes pelo bem da nação. Nós advogados somos a voz dos mais fracos e oprimidos. Foi com a ditadura que aprendemos a duras penas, com custo de vidas, que nenhum direito está imune a violações abusivas e a práticas de arbítrio.
Por isso, a atuação dos advogados e da OAB será sempre um atributo básico e fundamental em qualquer democracia. Nossa trincheira sempre será a defesa da Justiça e da paz social e, por consequência, do bom debate que conduza a esses valores. Somos um escudo em defesa do interesse público, da democracia e da Constituição Federal. Nossas armas são o diálogo, o respeito às divergências e às regras da lei”, declarou Raony Scheffer.