Weber Andrade
Há, por certo, quem entenda mais de saudade do que eu. Há também quem sinta mais saudade do que eu. Mas penso que ninguém terá começado a sentir saudades tão cedo quanto eu. Saudade é uma doença? Me perguntei certa vez, quando mirava a Invejada numa fotografia antiga e comecei a lembrar da minha terra natal, de São Manoel, do Mutum… Talvez porque, na altura, estivesse morando em Portugal e a lacuna entre eu e minha terra fosse oceânica, maior do que nunca tivera sido.
Comecei a sentir saudade com pouco mais de dez anos, quando vim parar em Barra de São Francisco, tangido por tabela das minhas paixões de infância, dos primeiros banhos de rio, no Mutum, das pescarias na cachoeira do rio, dos lambaris fritos e servidos com arroz no início da noite pela minha mãe.
Sentia saudades de brincar de médico com a Maria Helena, de brincar de pique com a turma de amigos da rua Afonso Pena, de assistir filminhos exibidos na casa velha e abandonada, onde meu irmão inventor montara um projetor numa caixa de sapatos e projetava imagens desenhadas com caneta azul em plástico transparente.
Tenho vivido assim, de saudade em saudade, como se o presente não existisse. Esta semana, fiquei mais saudosista depois de saber que a Irene Simões, creio que filha caçula do Adão Simões, eterno diretor do Colégio João XXIII, onde iniciei os estudos mais complexos, estava lançando um livro sobre a Igreja Matriz de São Francisco de Assis.
Fui batizado na Igreja Católica, lá em Mutum, e gostava de frequentar o local. Gostava particularmente do cemitério, que fica atrelado à nave, mas também frequentava a Casa Paroquial e até recantos proibidos, como a sacristia.
Mas em Barra de São Francisco, minha saudade clama logo pelo nome do padre Fernando. Baixinho, careca, carinhoso durante o dia, na hora da missa, mas uma fera nas horas negras, nas noites em que, por pura necessidade de atenção, adentrava no parquinho ao lado da Matriz de São Francisco de Assis, já construída, bela e imponente.
Não era só eu, mas não me lembro o nome dos amiguinhos de então. Sei que entrávamos no parquinho mais pela diversão que era ver o padre Fernando irritado do que pelo desejo de brincar no parquinho. Mas ele quase sempre nos surpreendia. Deixava que nos entretessemos com o escorregador, o balanço, a roda giratória e, quando nos via distraídos surgia do nada, uma varinha na mão, brandindo e dizendo: Vos pego, hoje vos pego.
E às vezes, pegava mesmo, um de nós, aplicava um corretivo e nos liberava para irmos chorar na cama.
Vi a foto dele no facebook várias vezes, já bem velhinho ou mais jovem, recém-chegado com os colegas Alfredo e Daniel e a saudade bateu na minha mente como a varinha dele, doída, mas sem mágoas. E pensei com os meus botões: Saudade tem cura?