Professor Fabiano Santana*
Essa semana o Ministério da Educação (MEC) anunciou a criação de um programa com a proposta de reestruturar financeiramente o ensino superior no país. Denominado de Future-se, eleva a participação das verbas privadas no orçamento público. A iniciativa é vista com cautela e desconfiança por uma parcela significativa da comunidade acadêmica das universidades federais. O receio não é sem fundamento, afinal, num passado não muito distante, outras propostas de tornar a coisa pública tão eficiente quanto a privada geraram polêmicas na sua implementação, a exemplo do Reuni.
A ideia do Governo é estimular as parcerias público-privadas, constituir fundos por meio de doações, ceder prédios das universidades e vender nomes dos campi (nos moldes das arenas criadas para a copa do mundo). Com um aporte de R$ 100 bilhões, o Governo alega que a adesão será voluntária e que as instituições de ensino ainda continuarão recebendo ajuda do Estado.
Coincidência ou não, o lançamento do programa ocorre pouco tempo depois do anúncio do contingenciamento de verbas das universidades, com um montante de R$ 1,7 bilhão, ou 24% dos gastos com despesas não obrigatórias, como água, energia, obras, equipamentos, empresas terceirizadas e pesquisa. De acordo com entidades da área, esse é o maior contingenciamento desde 2014. Para os reitores das federias, o corte compromete significativamente a continuidade dos serviços no ensino superior, principalmente com as pesquisas em andamento.
Assim, diante do anúncio de mais uma proposta que visa “salvar” a universidade pública, faz-se necessário questionar: tornar a universidade pública tão competitiva quanto uma empresa privada é a solução para desonerar o Estado? Os especialistas alegam categoricamente que não! Programas com esse caráter tem contribuído sobremaneira para a inserção de um modelo gerencialista na educação pública, colaborando para o fortalecimento de princípios economicistas na gestão das universidades por meio de mecanismos avaliativos e contratos de gestão. As recentes propostas apresentadas para a reestruturação das universidades federais brasileiras baseiam-se na busca por resultados, com metas quantitativas e qualitativas notadamente delineadas.
Mas, afinal, qual o perigo do contrato de gestão dentro das universidades públicas? Isso não traria mais eficiência para o tão criticado setor público? A questão é que o modelo de organização gerencial proposto pelo Estado prejudica sobremaneira o processo de produção e transmissão do conhecimento. Na tentativa de alcançar as metas pré-estabelecidas, as funções das universidades acabam sendo reduzidas ao gerenciamento de receitas e despesas, deslocando a sua atividade-fim para segundo plano. Na tentativa de cumprir os alvos estabelecidos, muitas instituições concentraram seus esforços na ampliação das matrículas, elevação da relação aluno-professor e aligeiramento da formação, comprometendo a sua essência.
Conforme mencionado anteriormente, tais propostas não são novidade no ensino superior. Voltando um pouco no tempo, podemos identificar que as primeiras iniciativas de gestão de mercado no ensino superior público dos países subdesenvolvidos, em especial da América Latina, puderam ser sentidas no início da década de 1990, tendo o Banco Mundial, como um dos principais agentes impulsionadores dessas nações. Por meio de relatórios emitidos entre as décadas de 1990 e 2000, a entidade tem direcionado os caminhos a serem trilhados pelo ensino superior em busca da instrumentalização do desenvolvimento econômico. Tais propostas vêm sendo colocadas em prática pelos governos das nações periféricas e influenciado significativamente as políticas públicas educacionais implementadas desde então.
Portanto, não é exagero tomar com cautela as propostas estabelecidas pelo Future-se. Ceder o espaço público para a iniciativa privada talvez não seja a melhor solução para superar a crise financeira do país. Ações como essa tendem a limitar a formação acadêmica e reduzir o seu papel enquanto mecanismo de formação humana e científica.
* Professor Dr. Fabiano Santana dos Santos é Pesquisador e Professor Adjunto no curso de Administração da Universidade Federal de Alagoas (UFAL)