Por Weber Andrade/ocontestado.com
Os rios São Francisco e Itaúnas têm uma característica muito peculiar. Ambos nascem na região serrana de Santa Luzia, em Mantenópolis, bem pertinho um do outro, mas tomam rumos contrários até se encontrarem no perímetro de Barra de São Francisco. O São Francisco desce a serra Branca, em direção a Minas Gerais até o perímetro urbano de Mantena – mas antes acumula, em uma barragem, quase toda a água que abastece a Sede daquele município.
De Mantena, ele percorre mais alguns quilômetros, já encorpado por outros córregos que também cortam o perímetro urbano da cidade mineira até chegar ao perímetro urbano de Barra de São Francisco, que, óbvio, leva o nome devido ao curso d’água.
O Itaúnas, por sua vez, tomou rumo distinto, em direção ao mesmo destino, desce até o distrito de Cachoeirinha do Itaúnas, passando pela Comunidade dos Dias e serpenteia ao encontro do irmão, por cerca de 20 quilômetros.
Bem na altura do bairro Irmãos Fernandes, nas proximidades da Rua Mineira, os dois se fundem e vão em direção ao seu rio mestre, o São Mateus, na ansiosa busca pelo mar, que é o destino de quase toda a água doce.
Mas, para chegar até o litoral norte capixaba, os dois rios enfrentam toda sorte de agressão humana, desde que a região começou a colonizada, por volta de 1920.
O São Francisco enfrenta menos problemas ambientais até sua chegada ao perímetro urbano de Mantena, pois não abriga grandes projetos de irrigação em seu percurso.
Já o irmão Itaúnas, começa a ceder água para irrigação e consumo humano poucos quilômetros após a sua nascente, já chegando ao distrito de Cachoeirinha. Dali para baixo ele é quem sustenta tudo quanto é ser vivente que carece de água para viver, bem como plantações de café, hortaliças, frutas e o gado, seja ele bovino, equino, caprino, além das aves.
Ao chegar no perímetro urbano da cidade, é logo “barrado” pela Cesan, a companhia de abastecimento estadual, que dele se serve – sem que o sirva de modo algum, diga-se de passagem – para abastecer uma população de mais de 40 mil pessoas, além de comércio e indústrias de todo o tipo.
Um rio só lágrimas
Gosto de usar esta expressão para falar da agonia dos cursos d’água em seu contato com o homem, particularmente, nos perímetros urbanos. Mas, na verdade, a expressão é apenas figurativa e inadequada ao estado das águas, uma vez que lágrimas são, quase sempre limpas e cristalinas.
Mas o quero exprimir com a frase é o choro de quem se vê agredido por todo tipo de lixo e esgoto que o ser humano pode produzir.
Esta semana, um estudante de Arquitetura de Colatina, Renilton Kirmse, foi alvo de uma reportagem da TV Gazeta e do G1 Espírito Santo, sobre o assoreamento do rio Doce, outro curso d’água essencial à sobrevivência do norte capixaba, que sai lá do alto das montanhas de Minas Gerais e vem sofrendo agressões pelo caminho. Exausto, ele foi fotografado por Kirmse na sua passagem pelo perímetro urbano de Colatina, uma visão tão bela quanto cruel do seu assoreamento, visto do alto, cheio de bancos de areia que sugerem praias paradisíacas.
Foi ao ver estas imagens que nos veio a ideia de mostrar a situação antagônica em que vivem os nossos cursos d’água.
Durante a manhã desta quarta-feira, 17, percorremos quase todo o percurso dos dois rios no perímetro urbano de Barra de São Francisco, fazendo registros fotográficos simples, com um celular, mas alcançamos imagens que mostram como a nossa população trata o bem mais precioso que tem, sem o qual não sobreviveríamos sequer uma semana. São imagens fortes, chocantes, mas que precisam ser mostradas, na tentativa de sensibilizar os habitantes da cidade.

Plano Municipal de Saneamento Básico aguarda votação
De acordo com dados do Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) de Barra de São Francisco, cuja elaboração vinha sendo postergada e desprezada pelos administradores municipais, 54% dos esgotos da cidade são lançados em rede coletora de esgoto ou drenagem, 4% em fossa séptica, 28% em fossa rudimentar, 2% em vala e 9% vão diretamente para os cursos d’água.
Tenho minhas dúvidas de que seja só isso, mas, são estudos feitos por uma universidade, com engenheiros e técnicos e na falta de outros estudos, temos que acatar.
O PMSB, no entanto, continua agarrado no Legislativo Municipal, apesar de ter sido apresentado pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em setembro do ano passado e transformado em projeto de lei, que foi encaminhado à Câmara Municipal pelo prefeito Alencar Marim no início do mês passado.
Talvez por picuinha de alguns vereadores, o projeto teve que ser retirado da pauta de votação, na semana passada e, não se sabe quando será votado.
Mas ainda há alguma esperança


Há dois anos, graças a uma ação comunitária que envolve a Prefeitura de Barra de São Francisco, a Igreja Católica, o Comitê de Defesa da Bacia do Rio Itaúnas, a Ong Sentinela Francisquense – cujo membro, o biólogo Alex Queiroz de Brito, doou o Projeto de Recuperação de Nascentes do Rio Itaúnas, além da empresa Thor Granitos (Thorgran), que está doando todo o material necessário para o cercamento das nascentes, o Itaúnas, pelo menos, tem uma chance de sobreviver ao descaso das pessoas que ele sustenta.
Claro, o mais importante desse projeto, como sempre faz questão de salientar o líder do Comitê de Defesa do Rio Itaúnas, o açougueiro e proprietário rural na região do rio Itaúnas, José Carlos Alvarenga, o Carlinhos, são os proprietários rurais, que estão cedendo parte das suas terras para que cerca de 100 nascentes sejam cercadas e recuperadas.
Mas a boa vontade dos proprietários, o projeto, o apoio do município e da Thor, não seria suficiente para levar a empreitada adiante. Desde o início – hoje já temos mais de 50 nascentes cercadas – um grupo que reúne cerca de 30 voluntários, entre pequenos proprietários da região de Cachoeirinha, a maioria membros de Comunidades Católicas, embora haja evangélicos também, além de alguns citadinos, tem se encarregado de fazer o trabalho duro, proporcionando aos moradores da cidade e mesmo das localidades abaixo das cabeceiras dos córregos que alimentam o Itaúnas, a tranquilidade de saber que terão água, no futuro.
Construção da barragem anima produtores

Em fevereiro deste ano, pouco mais de um mês após o rompimento de uma barragem de rejeitos de minério em Brumadinho (MG), dois vereadores de oposição ao governo municipal decidiram “tocar o terror” na população francisquense e dizer que a barragem que está sendo construída no rio Itaúnas, logo após a cachoeira do Itaúnas, mais conhecida como cachoeira dos Mol, na propriedade da família Bianquini poderia romper e destruir a cidade.
Foi preciso que o prefeito Alencar Marim, apelasse ao deputado Enivaldo dos Anjos, que buscou uma audiência junto à Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (Seag), para esclarecer a população sobre a segurança da barragem.
O prefeito Alencar Marim, que abriu e fechou o evento, falou da importância da barragem para o abastecimento de água em Barra de São Francisco e disse que a audiência buscava dissipar dúvidas colocadas pela população.
Durante a audiência ficou claro o desconhecimento das pessoas que tentaram aterrorizar a população francisquense, comparando os riscos de rompimento da barragem com o da barragem de rejeitos de Brumadinho. “São projetos e funções totalmente diferentes”, explicou o gerente de Infraestrutura e Obras Rurais da Seag, Patrick Ribeiro.
Ribeiro começou mostrando como funcionam as barragens de rejeitos, esclarecendo que a que rompeu em Brumadinho e a maioria das que são feitas em Minas Gerais, são projetos de baixo custo e que, por isso, correm mais risco de rompimento. “As barragens de rejeitos não têm escoadouro. O material vai sendo despejado nela e fica estático. Quando enche, constroem outra, tipo um puxadinho e quando se rompe, o peso dos rejeitos destrói tudo pela frente”, explicou o técnico.
No caso da barragem de água, como a do Itaúnas, existem equipamentos próprios para promover a vazão do excesso de água, em caso de grandes volumes de chuva, como o monge e o vertedouro. De acordo com Patrick, para que a água passe por cima da “crista” da barragem, que terá seis metros de altura, seria necessária uma chuva como nunca aconteceu nos últimos 100 anos.
“Mesmo que chovesse mais de 200 milímetros em curto espaço de tempo, a barragem teria como escoar o excedente de forma segura. E mesmo se houvesse um rompimento, todo o volume de água da represa não causaria enchente em Barra de São Francisco, pois ela se espalharia por mais de 600 hectares de várzeas, ao longo dos 16,5 quilômetros entre a barragem e a Sede. Além disso, o desnível – diferença de altura – entre a barragem e a Sede é de apenas 25 metros e a água chegaria aqui com no máximo 2,5 centímetros de altura”, esclareceu.
O gerente de Sustentabilidade da Seag, Janil Ferreira da Fonseca, explicou nestas condições, que eles chamam de “maximorum”, a água avançaria 15 centímetros por segundo. “Ou seja, um jogador de futebol, um atleta, seria capaz de sair correndo junto com a água lá da barragem e ainda chegaria bem antes a Barra de São Francisco”, exemplificou
A obra requer investimentos de R$ 1,360 milhão com a inundação de cinco hectares de área (o correspondente a cinco campos de futebol), permitindo o acúmulo de 100 milhões de litros de água como reserva estratégica para a segurança hídrica e deverá ficar pronta até o final de agosto, com entrega prevista para dezembro deste ano.

Dados sobre as condições hídricas do município
Segundo informações disponíveis no site do Incaper, a região de Barra de São Francisco, tem uma série histórica de precipitação média na ordem de 900 mm/ano;
Segundo informações da Secretaria Municipal de Agricultura de Barra de São Francisco, no ano de 2015, a precipitação máxima foi de 482,5 mm;
Em virtude da pouca recarga dos lençóis freáticos, as nascentes não foram capazes de manter o fluxo d’água no ano de 2015, o que resultou em perdas no campo e racionamento de água na cidade;
Segundo informações da Secretaria Municipal de Agricultura de Barra de São Francisco, no ano de 2016, a precipitação máxima foi de 936,4 mm;
Ainda no ano de 2016, embora as precipitações tenham atingido a média histórica, houve um período de estiagem que durou 9 meses, de fevereiro a outubro, com uma precipitação de 200,4 mm neste período, o que fez com que mais de 60% das nascentes secassem;
Fazer represas é apenas um paliativo, que torna a água disponível por alguns meses, tendo em vista que na região, segundo dados do Incaper, a evapotranspiração potencial (que é a quantidade de água que evapora em um único dia, por m² de área) pode chegar a mais de 6,2 mm/m²/dia. Isto significa 6,2 L de água por metro quadrado por dia, ou seja, 62.000 litros por hectare por dia;
Uma caixa seca, implantada num terreno com características pedológicas médias, infiltra cerca de 75 litros de água por dia por m². Isto quer dizer que uma caixa seca medindo 4,0 m x 4,0 m x 3,0 m, armazena 48.000 litros de água, e é capaz de infiltrar 4.800 litros de água por dia;
A implantação de 12 caixas secas com as dimensões de 4,0 m x 4,0 m x 3,0 m é capaz de captar e armazenar as águas de uma chuva com intensidade de 40 mm com duração de 14 minutos e fazê-las infiltrar completamente em 10 dias. (Fonte: Alex Queiroz de Brito/Bioquímico e especialista em Gestão Ambiental)