A Organização dos Cineclubes Capixabas (OCCa), publicou esta semana uma carta pública contra a supressão pela Secretaria de Cultura do Espírito Santo (Secult), dos editais de fomento ao cineclubismo.
Segundo a entidade, o argumento da Secult, de que os cineclubes já seriam contemplados pela Lei Aldir Blanc, este ano, deita por terra um trabalho de muitos anos do movimento cineclubista e os coloca em competição direta por recursos com mostras de cinema e atividades de formação, com valores distintos, menos prêmios e sem garantia de que algum cineclube será contemplado. Veja abaixo a íntegra da carata:
Carta Pública: Não ao fim das políticas de fomento ao Cineclubismo
“Nós, os diversos cineclubes capixabas, articulados em torno da Organização dos Cineclubes Capixabas (OCCa), vimos nos manifestar publicamente contra a extinção dos editais estaduais de fomento ao cineclubismo, proposta e reiterada pela Secretaria de Estado da Cultura do Espírito Santo (Secult-ES).
Nos causa imensa surpresa e indignação que a Secretaria tenha proposto a supressão desse mecanismo de fomento à cultura conquistado por meio de muita luta pelo movimento cineclubista e reconhecido por todo setor por meio do Fórum Capixaba do Audiovisual. O argumento seria de que os cineclubes já seriam contemplados neste ano pela Lei Aldir Blanc.
Isso se dá mesmo após a Secult ter apresentado na proposta do Edital de 2020 a extinção de uma linha específica para cineclubismo, deixando que os cineclubes concorram num mesmo edital com mostras de cinema e atividades de formação, com valores distintos, menos prêmios e sem garantia de que algum cineclube seria contemplado. Foram feitas então duas reuniões do Fórum Capixaba do Audiovisual que consensou pela manutenção do edital de cineclubismo com valor semelhante à média dos últimos anos. Esta reivindicação foi apresentada para a Secult pelo GT do Audiovisual e reiterada por carta protocolada pela OCCa na Secretaria Estadual reafirmando a importância do edital e do cineclubismo no Espírito Santo.
Registramos que o ES é um dos Estados que se destaca nacionalmente, com projeção internacional, pela tradição de luta do movimento cineclubista e pelas políticas públicas existentes. Deste trabalho o desenvolvido desde a década de 1970, emergiu um capixaba cineclubista como presidente do Conselho Nacional de Cineclubes Brasileiros (CNC), por vários mandatos, e que se sagrou como único brasileiro a ser eleito como Presidente da Federação Internacional de Cineclubes (FICC).
O movimento cineclubista é um dos movimentos sociais de cultura mais importantes na história brasileira, responsável pela democratização do acesso pelo público ao cinema, pela defesa do cinema e da cultura nacionais, seja na dureza da ditadura, seja no tempo contemporâneo das diversidades e das dinâmicas afirmativas. Não faz sentido, e é retrógrado cercear as políticas de expansão do cineclubismo. A Lei Aldir Blanc é EMERGENCIAL, não é política cultural.
Por isso, é ainda maior nosso espanto com a ideia reincidente de extinguir o edital de cineclubismo, já que o próprio secretário Fabrício Noronha participou ativamente de cineclube (Cine Falcatrua) e do movimento cineclubista tendo apoiado ativamente, já como gestor, na construção dos Diálogos Nacionais de Cineclubes, realizados em julho passado e construídos junto à Articulação Emergência Cultural, CNC e OCCa.
Essa insistência em derrubar os prêmios cineclubistas é muito sintomática e estranha. Avaliamos que aparenta um certo desprestígio ou mesmo desprezo com o trabalho de fomento à cultura audiovisual em municípios que em muitos casos não têm nem salas de cinema, com o compromisso com a circulação de filmes feitos no Espírito Santo dentro do próprio território (uma porcentagem significativa da programação cineclubista é de filmes realizados em nosso estado), além da própria articulação comunitária que o cineclube propicia.
Nos parece um despropósito extinguir ou suspender uma política estadual contínua de anos por conta de um recurso federal, com outro valor, outra proposta, outro tipo de aplicação, outra prestação de contas. A política de fomento à atividade cineclubista é um direito legal dos cineclubes. A Lei Aldir Blanc, tem caráter emergencial e não permanente, não substituindo, de forma alguma, os editais que fazem parte de uma política pública para acesso livre ao cinema, especialmente o capixaba. Alertamos também os demais segmentos artísticos e culturais do estado e questionamos à Secretaria se essa proposta será feita também para outros setores que têm direito aos recursos emergenciais nacionais.
O Edital anual da Secult, por meio de recursos do Fundo Estadual de Cultura (Funcultura) têm disponibilizados prêmios de R$ 15 mil para projetos de criação e manutenção de cineclubes, construção de acervo e formação em cineclubismo, tendo contemplado no ano passado 28 cineclubes, que incluem cidades metropolitanas e do interior, comunidades periféricas, zonas rurais, comunidades indígenas, quilombolas entre outras, para atividades que na maioria das vezes se estendem por todo o ano, garantindo uma programação constante e a formação de público nessas localidades.
Muitas vezes, boa parte dos recursos são usados em atividades como a compra de equipamentos como projetores, computadores, caixas de som e outros para permitir exibições e garantir sua qualidade, o que seria muito difícil para essas localidades.
Não nos parece cabível que o órgão responsável pela política cultural do Estado realize uma proposta como esta. Ressaltamos que os valores de fomento ao cineclubismo têm se mantido estagnados nos últimos anos, apesar do aumento dos custos em todas esferas do fazer cineclubista e cultural. A exceção teria sido o edital de 2019, quando houve aporte de recursos nacionais da Ancine e o valor saltou de R$ 300 mil para R$ 420 mil. Porém se considerarmos que não houve edital de audiovisual em 2018, na verdade, nos últimos dois anos o cineclubismo teve acesso a recursos mais escassos do que já vinha sendo disponibilizado em editais anteriores.
Com menos recursos fica comprometida a proposta de expansão dos cineclubes para novos territórios, a manutenção e fortalecimento das iniciativas existentes e as atividades de formação e acervo tão necessárias para ter uma atividade cineclubista forte. Nós somos o público. Um público organizado e ativo, preocupado em difundir a diversidade de linguagens do cinema e de temáticas apresentadas pelo audiovisual, como instrumento para discutir nossa própria sociedade e transformá-la. Um público que dialoga com a produção e também produz obras audiovisuais, como é o caso de vários cineclubes capixabas.
Vigentes desde 2012 para o cineclubismo, os editais do Funcultura, apesar do pouco recurso disponibilizado, têm contribuído enormemente para o desenvolvimento do cineclubismo e a democratização do audiovisual, chegando a locais e públicos não acessados por salas de cinema comerciais nem festivais de audiovisual.
Nossa meta, que foi debatida anos atrás no Fórum Estadual de Elaboração do Plano Estadual de Cultura, é chegar a ter ao menos um cineclube funcionando em cada um dos 78 municípios capixabas, estabelecendo assim novas janelas de exibição, com predominância da produção nacional e forte destaque para as obras do Espírito Santo como vem sendo prática de grande parte dos cineclubes do Espírito Santo, conforme reforçam os dados prévios do mapeamento que está sendo realizado pela OCCa.
Por todas essas razões que reiteramos publicamente nossa posição, respaldada pelo setor audiovisual capixaba e por diversas entidades parceiras como associações de moradores, entidades comunitárias, centros culturais e movimentos sociais, pela manutenção do edital de Cineclubismo no Espírito Santo.”
Organização dos Cineclubes Capixabas (OCCa)
Conselho Nacional de Cineclubes (CNC)
Secretariado Latino-Americano da Federação Internacional de Cineclubes (FICC)