“Comprei um Iphone e recebi um aipim.” Parece piada pronta e sem graça, mas a frase foi dita dia desses em matéria na TV sobre o e-commerce. O jovem entrevistado conta para a repórter que comprou um Iphone e, quando a encomenda chegou, tinha pedaço de mandioca na caixa. Histórias como essa mostram o avanço do comércio online nestes tempos de pandemia e aponta a nova dificuldade dos consumidores diante da evolução provocada pela rede mundial de computadores.
Hoje, quando se comemora os 30 anos do Código de Defesa do Consumidor (CDC), considerado uma legislação abrangente para as relações de consumo, as pessoas percebem que, passadas três décadas, houve mudanças substanciais na forma de comprar por meio do comércio eletrônico.
Segundo especialistas, uma atualização seria bem-vinda, embora o código tenha seu texto adaptado ou usado, de forma indireta e existam outras legislações para proteger os direitos dos consumidores.
O e-commerce brasileiro faturou 56,8% a mais nos oito primeiros meses de 2020 em comparação com igual período do ano passado, segundo pesquisa realizada pelo Movimento Compre & Confie em parceria com a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABComm).
De acordo com o levantamento, o aumento do faturamento foi possível porque houve crescimento de 65,7% no número de pedidos, de 63,4 bilhões para 105,06 bilhões. Segundo a ABComm, desde o início da pandemia mais de 135 mil lojas aderiram às vendas pelo comércio eletrônico para continuar vendendo e mantendo-se no mercado.
Estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo mostrou que os brasileiros aumentaram suas compras online, passaram a usar meios digitais de pagamentos e devem continuar com esses hábitos de consumo no pós-pandemia. Segundo os dados, 61% dos clientes que compraram online durante a quarentena aumentaram o volume de compras devido ao isolamento social e 70% disseram que pretendem continuar comprando mais pela internet do que faziam antes da covid-19.
Para o diretor jurídico da ABComm, Guilherme Martins, houve uma evolução tecnológica muito grande nos últimos 30 anos que permitiu esse modelo atual de varejo digital em termos de segurança do processo, expansão dos meios de pagamento, acessibilidade e aspecto logístico.
“Com a pandemia, houve um cenário disruptivo sem volta. Até aqueles que não eram habituados a comprar em ambiente eletrônico se viram em alguma situação obrigados a fazê-lo. Eficiência, preço e segurança acabaram sendo determinantes para mudar essa mentalidade, atrelada à questão tecnológica e ao apoio jurídico que vem por trás disso, que é a regulamentação dos direitos do consumidor”, afirmou Martins.
Para o diretor-presidente do Procon-ES, Rogério Athayde, a defesa do consumidor no Brasil tem muito a comemorar, pois foram vários os avanços e as mudanças de paradigmas que a legislação trouxe, exigindo do mercado de consumo a mudança nas práticas comerciais.
“Com origem constitucional e dentro das especialidades do direito, o CDC nasceu como um grito de liberdade, de rompimento de práticas abusivas e situações vexatórias que o consumidor era obrigado a submeter-se por não ter uma legislação forte, eficaz e que o protegia de fato, e não de forma genérica, como contempla o Código Civil Brasileiro”, disse Athayde.
Avanços – Segundo Rogério Athayde, sempre com o objetivo de buscar o respeito à dignidade, saúde e segurança do cidadão, a proteção de seus interesses econômicos e a melhoria da qualidade de vida, o CDC trouxe várias benesses. Uma delas é o equilíbrio nas relações de consumo estabelecido no reconhecimento da vulnerabilidade e hipossuficiência do consumidor. A obrigatoriedade que o fornecedor tem de apresentar informações claras, precisas e ostensivas é um dos grandes conceitos implementado pelo Código de Defesa do Consumidor.
“Hoje o consumidor está mais informado, tendo conhecimento de seus direitos e deveres na seara das relações de consumo. É relevante ressaltar ainda a importância de instituições que se desdobram para que isso aconteça como os Procons, o Ministério Público, as Defensorias Públicas e todos os órgãos públicos que se destinam a fazer a defesa do consumidor, trazendo equilíbrio nas demandas consumeristas”, destacou Rogério.
Para Athayde, um avanço a ser considerado na defesa dos direitos do consumidor está relacionado à regulamentação do comércio eletrônico. Com o crescimento do e-commerce, ficou evidente que a norma consumerista necessitava de mudanças para abranger um comércio que está crescendo muito e que na época da promulgação do código sequer existia, que são as compras virtuais, através de sites, plataformas digitais, redes sociais e etc…
A lei do e-commerce – decreto nº 7.962 de 15 de março de 2013 – que passou a vigorar dia 15 de maio de 2013, obrigou impôs s empresas virtuais a se adaptarem aos direitos do consumidor. Entre as práticas do e-commerce, a lei exige clareza de informações do produto e obrigatoriedade de divulgação de informações como telefone no topo e/ou no rodapé da loja e CPF/CNPJ no rodapé ou área lateral da loja.
“Para os próximos anos já existem pautas que deverão ser abordadas, com o objetivo de atualizar o regramento, tais como o comércio eletrônico e o superendividamento do consumidor. Situações essas que já precisam ser enfrentadas pelo legislador há algum tempo”, pontuou o diretor-presidente do Procon-ES.
Mas, se o comércio normal já registrava muitos conflitos, o e-commerce não tem sido diferente. Como o caso do jovem que comprou o Iphone e recebeu mandioca no lugar.
Atualização
Os especialistas ouvidos pela Agência Brasil indicaram que uma atualização do código é bem-vinda. Para o professor Ulysses Reis, a atualização da norma deve levar em conta a expansão dos canais de venda por meio de sites, aplicativos, redes sociais. “O código não prevê essas situações de comprar nesses diversos canais de venda. Ele não prevê quando o consumidor está migrando de um canal de vendas para ou outro e que a empresa tem que resolver problemas de contratos e atendimentos nos diferentes canais de venda”. (Weber Andrade com Secom/ES e Agência Brasil)