A partir de consulta prévia com lideranças indígenas, em setembro deste ano, a 14ª Vara Federal de Minas Gerais deu seis meses para que a União, a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o governo de Minas Gerais fizessem uma cerimônia pública para reconhecer as graves violações de direitos dos povos indígenas e se desculpar.
O prazo passa a valer a partir de uma consulta prévia com lideranças Krenak, o que ainda não aconteceu.
A ação busca resgatar a dignidade do povo Krenak, instalado entre Conselheiro Pena e Resplendor, no leste de Minas Gerais. Eles foram condenados por campo de concentração durante a repressão.
“Ainda nada, a gente não conversou com ninguém”, disse Douglas Krenak, uma das lideranças do povo indígena que vive em Resplendor, no vale do Rio Doce.
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Em 1972, homens, mulheres e crianças foram expulsos de suas terras pelo governo e obrigados a viver confinados na Fazenda Guarani, pertencente à Polícia Militar (PM), em Carmésia, a mais de 300 quilômetros de distância de suas terras. A medida foi tomada para facilitar a ação de posseiros vizinhos que tomaram os mais de 4 mil hectares dos indígenas.
Em 1969, o governo militar já havia criado o Reformatório Agrícola Indígena Krenak, um presídio que chegou a abrigar 94 pessoas de 15 etnias, vindas de 11 estados brasileiros.
Segundo a Justiça Federal, além do pedido de desculpas, a Funai também terá que concluir o processo administrativo de delimitação da terra de Sete Salões, considerada sagrada para os indígenas. Só em 1993 que os Krenak conseguiram parte dos 4 mil hectares originais de volta. Porém, esta área ficou de fora.
“A decisão acontece em um momento muito importante, que é a discussão do marco temporal das terras indígenas. Se esta questão vigorasse, e não o que determina a Constituição, estas pessoas jamais teriam conseguido retornar para sua terra. Porque isso só aconteceu depois da constituição de 88. Eles ainda estavam na Fazenda Guarani’, disse o procurador da República Edmundo Antônio Dias, autor da ação que tramitava há seis anos, em entrevista ao g1 em setembro.
A Justiça também determinou que a Funai e o Estado de Minas Gerais implementem “ações e iniciativas voltadas ao registro, transmissão e ensino da língua Krenak, de forma a resgatar e preservar a memória e cultura do referido povo indígena, com a implantação e ampliação do Programa de Educação Escolar Indígena”.
A União deverá reunir toda a documentação relativa às graves violações, disponibilizando-a na internet, no prazo de seis meses.
A Advocacia-Geral da União, que representa o poder executivo e a Funai, disse em nota que “foram apresentados embargos declaratórios que foram parcialmente providos, para esclarecimento de dúvidas suscitadas pela autarquia federal em relação à sentença”.
Sobre o contato com lideranças indígenas, o órgão não se manifestou.
A Advocacia-Geral do Estado disse que, mesmo após dois meses da condenação, ainda não foi notificada.
Embargos
No dia 9 de novembro, a 14ª Vara Federal de Minas Gerais negou embargos de declaração apresentados pela Funai e pelo policial militar aposentado, capitão Manoel dos Santos Pinheiro, responsável pelo Reformatório Krenak na época de sua criação.
Os advogados dele alegam que houve omissão de sentença, que consiste em deixar de analisar “o pleito de ausência/imprestabilidade de provas formulado pelo requerido”.
Este tipo de recurso serve para questionar possíveis contradições ou omissões, não modificando a decisão.
Para a juíza, não houve omissão, pois “foram detidamente analisadas todas as provas carreadas pelas partes, atribuindo-lhes valor probatório de acordo com o contexto dos autos, sendo, pois, descabida a afirmação de que os argumentos deduzidos pelo embargante não teriam sido apreciados, quando, na verdade, foram devidamente apreciados e valorados em face das demais provas produzidas por todos as partes do processo”.
Já a Funai apresentou embargos de declaração alegando contradição no reconhecimento de relação jurídica entre o órgão e o capitão Manoel dos Santos Pinheiro, “embora tenha extinguido os pedidos de condenação do referido réu por se tratar de policial militar cujo julgamento caberia à justiça estadual”.
Em sua decisão, a juíza disse que “a sentença foi clara ao reconhecer a existência de relação jurídica entre o réu Manoel dos Santos Pinheiro, enquanto agente da Funai, e as graves violações praticadas em detrimento do povo Krenak, não se havendo falar em condenação não requerida na inicial”.
A Funai também alegou contradição na sentença que determina a tradução de documentos para a língua Krenak, embora tenha reconhecido ser medida mais efetiva a determinação para adoção de medidas voltadas ao fortalecimento de ações de registro, transmissão e ensino do idioma.
Neste caso, a juíza acolheu o pedido parcialmente. (Da Redação com g1 Vales de Minas Gerais)