Um dos mais antigos contadores de Barra de São Francisco, o também advogado Cleveland Nicácio de Souza, faleceu na madrugada desta quinta-feira, 30, aos 77 anos, vítima de infarto. A notícia chocou a sociedade francisquense e inundou as redes sociais de votos de pesar. Ele lutava contra um câncer de próstata e estava com a saúde debilitada.
Um dos seus maiores amigos no Fórum Desembargador Danton Bastos, onde atuava diariamente nos últimos tempos é o oficial de Justiça Guda Euclides Fernandes, que lamentou a morte do amigo e postou uma foto dele sorridente, com a seguinte mensagem: “Vá com Deus amigo Clevelande. Sei que não está lendo esse texto, mas saiba que você representou muito em minha vida como patrão, flamenguista, amigo. Atualmente estávamos sempre juntos no fórum. Deus te dê um bom lugar”.
Atualmente Clevelande era membro da Igreja Assembleia de Deus do Campo Novo, mas o corpo dele está sendo velado na capela velório atrás da matriz de São Francisco de Assis, que ele ajudou a construir (veja história mais abaixo). O horário do sepultamento ainda não foi marcado, mas provavelmente será ainda hoje, no período vespertino.
Outro que lamentou a morte de Clevelande foi o deputado estadual Enivaldo dos Anjos, que, em julho do ano passado, o indicou para receber o Título de Cidadão Espíritossantense.
Pai de duas filhas, Lara e Laysa, o morador ilustre era conhecido por toda cidade de Barra de São Francisco por ser uma pessoa bem humorada e cheia de histórias para contar. Em sua história de vida, contribuiu bravamente para o desenvolvimento da cidade e chegou, inclusive a ser contador da Igreja Católica, durante o período de sua construção, ao lado da esposa.
História – Em 2018 em entrevista ao jornalista Weber Andrade, ele contou a sua história, onde falava das dificuldades de estudar e da “saudade” dos velhos tempos. No ano passado ele havia completado 50 anos como contador. Foi por volta de 1954 que a família dele chegou a Barra de São Francisco, vinda, como a grande maioria dos migrantes, da cidade de Aimorés.
Clevelande conta que tinha 12 anos ao chegar na cidade, junto com sua mãe, dona Eufrazina Nogueira e as duas irmãs. Figura das mais emblemáticas da cidade, Clevelande completou 50 anos como contador em 2018 e tinha muitas histórias para contar, além de um pequeno museu de máquinas utilizadas por ele no exercício da profissão.
Os equipamentos, máquinas de escrever e de calcular antigas, ficavam expostos bem à porta do seu escritório, com uma placa bem grande dizendo: “Favor nao tocar”. Clevelande era assim, sistemático.
Contou, na altura, que sua heroína era a mãe, Eufrazina, também conhecida como dona Pitita, que comprou a antiga Pensão Fluminense, onde hoje funciona a loja Simonetti, na esquina da avenida prefeito Manoel Vilá com a avenida Minervina Garcia.
“Eu perdi meu pai com dois anos de idade e quando chegamos aqui eu estava com 12 anos. A nossa pensão servia refeições aos militares que estavam aqui para proteger as divisas”, relata, lembrando o tempo do Contestado.
“Eu achava tudo muito estranho, muito armamento, mas nunca vi nenhum confronto. Eu acho que eles ficavam acampados ali no morro do Vai Quem Quer (como era chamada a região do entorno do bairro Estrela, que dá acesso à Vila Landinha) e até para almoçar eles vinham com aquele monte de armas”, recorda.
Flamenguista aguerrido em outros tempos, ultimamente ele não se ligava tanto ao futebol como antes, mas conta que passou a torcer para o Rubro-Negro pelo fato de que praticamente todos aqui torciam para um time carioca.
“Eu me tornei flamenguista contra a vontade das minhas irmãs, que são vascaínas, quando o Flamengo se tornou tri-campeão carioca, em 1955. Foram três títulos consecutivos e aí eu pensei: “Esse é o meu time.”
De engraxate a contador e advogado – Clevelande conta que, quando criança ainda, queria comprar uma bicicleta e, por isso, decidiu trabalhar de engraxate para juntar o dinheiro.
“Meus clientes principais eram o Pedro Castilho e os irmãos Zé Cardoso e Cardosinho. A gente (os meninos engraxates) fazíamos ponto em frente ao cinema do Ranulfo. Mas não tinha nada demarcado, quem chegasse mais cedo pegava os melhores lugares. Eu tinha um amigo, o Wilson, filho do senhor Tito Valdemar Vieira, que também engraxava. Nós tínhamos um acordo, dormíamos com um barbante amarrado no dedão do pé, um ao lado do outro e, para pegar o melhor ponto e, quem acorda primeiro puxava o barbante, acordando o outro”.
A formação em Contabilidade, ele agradece ao pioneiro da educação no município naquela altura, o doutor Luiz Batista, fundador do Colégio Comercial Independência, primeiro a ofertar o ensino de segundo grau na cidade. “Eu vou, inclusive, pedir que façam uma homenagem a ele na Câmara Municipal. Acho um absurdo não haver nenhuma homenagem da cidade a este homem que trouxe a educação de segundo grau para o interior do Estado, particularmente, para nossa cidade”, lamenta.
O contador lembra as dificuldades que teve para estudar. “Na altura não havia energia elétrica constante e a gente não tinha como estudar fora. Quando o motor que gerava energia durante uma parte da noite ficava avariado, demorava às vezes até um mês para retornar. Então, a gente levava lampiões Aladim para a sala de aula, para poder continuar estudando”, recorda.
Na década de 80 Clevelande decidiu se tornar advogado e formou-se em Direito, passando a exercer simultaneamente as duas profissões.
De católico fervoroso a evangélico – Clevelande, que era muito conhecido na cidade por seu bom humor e pelas piadas gostava de fazer, tornou-se uma figura quase folclórica. Mas esses tempos, ele nem gostava de comentar.
“Envolve muita coisa, política, traição conjugal, melhor deixarmos isso pra lá”, esquiva-se. Pai de duas filhas, Lara e Laysa, ele conta que foi, junto com sua esposa, o contador da igreja católica, desde o lançamento da pedra fundamental até a primeira missa. Ultimamente ele frequentada a Igreja Assembleia de Deus, no Campo Novo.
“Eu tenho uma saudade muito grande daquela São Francisco antiga onde cresci e estudei. Hoje mudou tudo”, encerra ele, cheio de nostalgia. (Weber Andrade)