José enfrentava um câncer. Tinha dores horríveis. Os únicos momentos de alívio vinham com o sono. Aí resolveram fazer uma série de “shows” bem na frente do prédio dele. Acionada, a fiscalização informou nada poder fazer, pois o evento era promovido pela Administração.
João teve um infarto. Seu filho saiu com ele às pressas para um hospital. O tempo urgia, pois a cada minuto as chances de sobrevivência eram menores. Porém, várias ruas do bairro haviam sido fechadas para um espetáculo musical. João morreu dentro do carro, no meio do engarrafamento.
Luiz precisava de seu carro para trabalhar. Mas aí fecharam a rua na qual ele morava para um evento esportivo – e bloquearam sua garagem por vários dias. E seu prejuízo? Ora…
Mário padecia de insônia – o sono era para ele uma dádiva. Eis que dado dia, lá pelas onze da noite, chegou à sua rua uma equipe para pintar faixas no asfalto. Ligaram um equipamento cujo ruído ultrapassa todo e qualquer limite legal e lá ficaram até 02:30 da manhã. Mário chegou a descer de seu apartamento e pedir silêncio. Foi ignorado.
Rita era médica. Ao voltar para casa, tarde da noite, descobriu que as ruas de acesso ao seu prédio haviam sido fechadas em função de um “Carnaval fora de época”. Teve que deixar seu carro estacionado em uma rua próxima. No dia seguinte o que sobrou dele chegou a ser fotografado pelos jornais.
Leonardo sofria de enxaqueca. Morava no oitavo andar de um prédio, buscando fugir do barulho. Mas aí autorizaram o fechamento semanal da rua dele para espetáculos de pagode. Ao final, e apesar de cercados por prédios residenciais, os participantes disparavam rojões para o alto, que estouravam exatamente na altura do seu apartamento.
Todos os episódios narrados são reais. Troquei nomes para proteger a privacidade das vítimas, mas já vi, soube ou li sobre cada um deles. E é lamentável que tenham ocorrido em um país civilizado.
O Brasil tem 8.456.510 km² – é muito grande. Não dá para entender o motivo pelo qual alguns eventos tenham que ser realizados em locais residenciais, bloqueando ruas e causando transtornos por vezes sérios aos que ali residem – aliás, a vida é algo sério.
O fato é que tem sido pouco observado, neste Brasil tão grande, um dos mais belos deveres do Cristianismo, qual o de pensar no próximo.
Pedro Valls Feu Rosa