Por Weber Andrade
O médico José Cipriano da Fonseca, 76 anos, mais conhecido como Dr. Zezinho, é o profissional da medicina mais antigo e mais idoso em atividade em Barra de São Francisco. Ele chegou à cidade em 1950, com sete anos de idade, vindo de uma tradicional família de Alto Capim (Aimorés), cuja, o nome mais conhecido era o fazendeiro Secundino Cypriano da Silva, o famoso coronel Bim Bim, do qual era neto.
Um dos membros da família, Dorico Cypriano, era dono de praticamente todas as terras a partir do antigo Vai Quem Quer – depois conhecido como Morro do Raul, do Cachorro Sentado e, atualmente, bairro Estrela – Vila Vicente e parte da Vila Landinha, confrontando com as terras do senhor Ozéias Resende.
Dr. Zezinho, assim como seu primo, o ex-deputado estadual e ex-subsecretário nacional de Direitos Humanos, Perly Cipriano (Perly, inclusive, foi preso politico por 10 anos), teve uma história de envolvimento intenso com o combate à Ditadura Militar, durante a juventude. Chegou a liderar movimento estudantil na Ufes, quando ainda estudante de Medicina, no final da década de 1960, antes de formar-se em Medicina e começou a exercer a profissão no longínquo Estado do Piauí, em 1968, antes de voltar a Barra de São Francisco, onde participou e participa ativamente do desenvolvimento da Medicina.
Nesta entrevista exclusiva ao site ocontestado.com, ele fala do início da carreira, as dificuldades e o trabalho árduo até chegar aos dias atuais.
Em seu currículo, Dr. Zezinho destaca os cargos de presidente do Iesp, diretor do hospital, secretário municipal de Saúde, secretário regional de Assuntos Previdenciários do INSS, membro da Comissão Bipartite e vice-presidente do Conselho Estadual de Secretários Municipais de Saúde (Cosems). Atualmente é médico efetivo da Secretaria Municipal de Saúde e atende também ao Real Noroeste, como médico voluntário do clube.
O Contestado – O senhor parece ser o médico mais antigo em atividade em Barra de São Francisco. Conte um pouco do início da sua carreira, onde se formou, quando e onde começou a exercer a atividade.
Dr. Zezinho – Sou o médico mais antigo em atividade e o mais idoso de Barra de São Francisco. Minha formatura aconteceu, curiosamente, no dia 13 de dezembro de 1968, na Faculdade de Medicina da Ufes, mesmo dia em que o ditador Costa e Silva (segundo presidente militar) editava o Ato Institucional N° 5 (AI 5º), implantando a Ditadura Militar no país.
Por ser líder estudantil na Ufes, eu era muito visado pelos órgãos de repressão. Trabalhei por cerca de 3 meses no interior do Estado e, por causa dessa militância contra a Ditadura, decidi sair do Estado e fui o Nordeste do país, inicialmente para Teresina (PI) e depois para o município de Correntes, naquele Estado. Meu objetivo ia além da Medicina, eu trabalhava clandestinamente para o Partido Comunista Revolucionário do Brasil (PCBF), uma dissidência do PCB, para dar apoio logístico à instalação da guerrilha rural do partido no Nordeste.
Lá, me senti meio isolado e, com muita saudade da minha família, da minha cidade, retornei a Barra de São Francisco em novembro de 1969, já desligado do PCBF. No entanto, continuei com a atividade política, então de forma legal, no antigo MDB.
OC – Como o senhor descreveria a atividade em Barra de São Francisco quando começou a trabalhar aqui?
Dr. Zezinho – Eu sucedi o saudoso colega Fenelon Gomes Cardoso na Casa de Saúde São Francisco, que pertencia à Sociedade Hospitalar Loren Reno, da Primeira Igreja Batista.
A casa de saúde foi fundada pelos colegas que antecederam o Dr. Fenelon, os médicos Coriolano Baia e Orlando Barreto, que antes faziam seus atendimentos no segundo piso do antigo Cine Atlas, da família Dematté.
Como a Igreja Batista e a Loren Reno, por não serem proprietárias, não podiam fazer investimentos na casa de saúde, fui trabalhar, em 1973 no recém construído hospital da Sociedade Hospitalar São Paulo da Cruz (SHPC) juntamente com o Dr. Deolindo Sarmenghi.
Na época fui escolhido como diretor do hospital pela SHPC, mas, logo depois, por eu ser ligado ao MDB, partido de oposição ao então governador Élcio Álvares, da Arena, ele decidiu encampar o hospital e a Fundação Hospitalar do Espírito Santo (FHES) assumiu a gestão do mesmo, o que acabou se tornando um bom negócio, uma vez que a SHPC não tinha condições de continuar mantendo o hospital e pretendia fecha-lo.
Na época os médicos do hospital, eram eu e o Deolindo. Depois foram chegando outros, como Paulo Roberto, Alceu Melgaço Filho, Roney, Arlindo de Oliveira, Sândalo Viana dos Santos, Marcos Arthur, José Maria, Antônio Calvão Filho…
Mais tarde, já no governo Camata, o hospital foi assumido pelo Instituto Estadual de Saúde Pública (Iesp) e eu fui diretor por quase dois anos, entre 83 e 85 e diretor do hospital por seis anos. Hoje me encontro afastado do hospital, trabalhando apenas no Munícipio e voluntário no Real Noroeste.
OC – O senhor chegou a ser médico de família, como aqueles médicos de antigamente, que atendiam pessoas em casa?
Dr. Zezinho – Na verdade, eu peguei uma fase de transição onde, com a melhoria da infraestrutura, o atendimento domiciliar foi perdendo força, até porque, na casa do paciente, pouco se pode fazer, seja por falta de meios para confirmar o diagnóstico ou para tratar casos graves.
Hoje, a Estratégia Saúde da Família (ESF) tem uma equipe formada por médico, agente de saúde e enfermeira que fazem as visitas aos domicílios, mas não há estrutura (logística) para que os médicos visitem famílias com doentes crônicos, com dificuldades de locomoção ou acamados.
Nos tempos antigos, por falta de infraestrutura, os médicos faziam esses atendimentos domiciliares nos locais mais distantes da cidade usando cavalos. Hoje há uma dinâmica nova, exames laboratoriais, de imagens, que facilitam o diagnóstico nas unidades de saúde.
Aqueles que nos precederam tinham como instrumentos de diagnóstico ferramentas sensoriais, como a apalpação e a asculta, além dos relatos e sinais visíveis de doença nos pacientes.
Infelizmente, hoje se espera dos laboratórios e das imagens, o diagnóstico pronto, ao invés de se somarem a estas ferramentas, as usadas pelos médicos do passado.
Gostaria de salientar aqui o trabalho do médico Celso Borges, o primeiro de Barra de São Francisco, médico muito humanitário e que atendia às pessoas tendo elas dinheiro ou não.
Sua capacidade o levou a se tornar, além de médico, uma grande liderança política, elegendo-se prefeito de Baixo Guandu e deputado estadual.
Os médicos atuais, em grande parte, estão ficando muito dependentes desses exames e se preocupam muito com a doença, esquecendo-se dos doentes, das suas queixas e seus desabafos, muitas vezes suficientes para os livrarem dos sofrimentos decorrentes da vida agitada da modernidade e dos conflitos próprios da realidade econômica.
OC – Como vimos, o senhor participou ativamente dos primeiros momentos do hospital e chegou a ser secretário municipal de Saúde. Naquela época o senhor já vislumbrava esse crescimento excepcional do setor de saúde no município?
Dr. Zezinho – Até o final da década de 70 éramos muito dependentes de Mantena, mas hoje eles estão a quilômetros de distância de Barra de São Francisco, não só fisicamente, mas em termos de avanços tecnológicos na área médica, não pela qualidade dos profissionais, mas pela retaguarda estrutural que cresceu muito por aqui e a nossa vizinha Mantena não acompanhou, por fatores diversos.
OC – Os avanços da medicina fizeram aumentar muito a expectativa de vida do brasileiro em geral, por outro lado, novas doenças começaram a surgir e doenças antigas ganharam nova roupagem, o senhor acha que chegaremos a um tempo em que as doenças deixarão de existir, ou pelo menos, de matar?
Dr. Zezinho – As doenças jamais deixarão de existir, mas teremos sempre melhores recursos para combate-las e proporcionar melhor qualidade de vida às pessoas, concomitante com a situação econômica de cada país.
Com o povo mais educado e consciente, as coisas serão facilitadas. Saúde e educação devem andar de mãos dadas ou ficarão claudicantes eternamente.
A morte jamais terá um fim. Podemos posterga-la, mas evitar nunca. Avançamos, por exemplo, no combate às doenças infectocontagiosas, mas avançaram as causas externas das mortes, como a violência em geral, os acidentes automobilísticos…
Melhoramos na produção de alimentos, mas às custas de agrotóxicos que agridem substancialmente a saúde dos consumidores.
Enquanto a ganância das pessoas prevalecer a morte vai se mantendo. O desumano e cruel capitalismo selvagem é o nosso principal algoz, junto com o capitalismo estatal.
OC – Que conselho o senhor daria para aqueles que estão ingressando na profissão?
Dr. Zezinho – Apenas sugiro que vejam a nossa profissão não apenas como instrumento para ficar rico, mas sim a exerçam com dignidade, respeitando e se fazendo respeitados, seja entre gestores, colegas ou pacientes.
Não pensem em ter a riqueza material como prioridade, mas sim em ganharem o suficiente para viver com dignidade e sentirem-se bem na atividade hipocrática.
Finalizando, gostaria de destacar que alguns dos médicos mais expressivos da nossa história, como o José Merçon, Orlando Barreto, Paulo Roberto, Sândalo Viana, Aloysio Alves, Marcos Arthur, fizeram, ou fazem parte da Loja Maçônica 14 de Julho. Posso citar também o Fernando Campana, um dos médicos que fazem da Loja Maçônica Silas Costa.