Há 20 anos o Brasil instituía a data de 18 de maio como o Dia de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Estima-se que mais de 250 mil crianças e adolescentes são vítimas da violência sexual todos os anos no País, conforme dados do Unicef. Na maior parte dos casos, o abusador encontra-se no núcleo familiar, quando não parente ou amigo de íntima confiança, o que significa que a vulnerabilidade de crianças e adolescentes pode aumentar em tempo de isolamento e confinamento social.
Ontem, em Barra de São Francisco e outros municípios da região, foram realizadas várias ações para lembrar a data. Servidoras do Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas), de Barra de São Francisco, estiveram distribuindo panfletos e flores amarelas (símbolo da data) nas proximidades da Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), Prefeitura e Caixa Econômica Federal.
Com o fechamento das escolas e com o afastamento da rotina, crianças e adolescentes podem estar convivendo diariamente, de forma mais direta, com seu agressor, de acordo com o delegado Diego Aleluia, titular da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).
“Nos casos de abuso sexual na maioria dos casos as vítimas convivem com o agressor. Nossa grande preocupação durante a quarentena é do contato dessas crianças com seu algoz, que tem sido muito maior. Ela só vai sentir segurança em procurar ajuda quando sair de casa e tiver acesso a alguém de sua confiança, um amigo ou até um professor da escola. E isso pode ser que só seja possível após a quarentena”, explica.
A procura nas delegacias tem sido constante. Entretanto, no Estado, até o momento, ainda não foi identificado um aumento de casos de violência sexual contra crianças e adolescentes neste período de quarentena. Mas existe uma preocupação para quando voltar à normalidade de que haja aumento considerável de registros.
O deputado estadual Delegado Lorenzo Pazolini (Republicanos), ex-titular da DPCA, e presidente da Comissão de Proteção à Criança e ao Adolescente da Assembleia Legislativa, ressaltou sobre a importância de ficar atento com crianças e adolescentes nesse período de maior vulnerabilidade. “As dificuldades estruturais, logísticas, humanas e legislativas são grandes barreiras a serem enfrentadas. Cada vez mais, os pais e responsáveis devem ficar atentos aos sinais das crianças e com mudanças bruscas dos adolescentes em casa”.
A violência – Quando se fala em violência sexual, geralmente predomina no senso comum o temor dos casos de estupros que acontecem na rua, cometidos por pessoas desconhecidas. No entanto, estatisticamente, os casos de abusos sexuais contra crianças e adolescentes são realizados por conhecidos acima de quaisquer suspeitas, com quem as vítimas e familiares possuem relação de confiança. Ou seja, a violência sexual ocorre dentro de casa e não existe um perfil facilmente identificável de quem cometa o crime.
A violência sexual contra crianças e adolescentes pode acontecer de duas formas: pelo abuso sexual ou pela exploração sexual. O abuso acontece quando uma criança ou adolescente é usado para estimular ou satisfazer sexualmente um adulto, através da prática de qualquer natureza sexual, com ou sem o uso de violência.
Já a exploração é a utilização de crianças e adolescentes para fins sexuais mediante o pagamento em dinheiro ou de qualquer outro benefício. Essa ocorre de quatro formas: no contexto da prostituição, na pornografia, nas redes de tráfico e no turismo com motivação sexual.
Vale lembrar que a violência sexual pode acontecer com e sem contato físico e, por isso, muitas vezes, acaba sendo silenciosa. E o que torna ainda mais delicado é que, dependendo da idade da criança e do tipo de abordagem, o abuso sexual pode nem ser percebido pela vítima.
De acordo com Diego Aleluia, no primeiro momento esse tipo de violência costuma não ser traumático e nem doloroso e, por isso, pode até perdurar por anos. “À medida que a criança cresce ela percebe que supostos carinhos e intimidades não são normais. E começa a causar constrangimento e sentimento de culpa”, explicou.
Ainda segundo o delegado, a violência sexual contra crianças e adolescentes acontece em todas as classes sociais, tanto com meninas como meninos. E que na maior parte dos casos o agressor é do sexo masculino e possui uma relação de hierarquia, como pai, padrasto, avô, tio ou algum amigo próximo da família. “Geralmente é uma pessoa que tenha fácil acesso à vítima e que seja uma referência para ela”, complementou.
Reconhecendo sinais – A psicóloga cognitiva e comportamental e orientadora de pais Aline Hessel aponta alguns importantes sinais que crianças e adolescentes apresentam quando estão sendo vítimas de violência sexual.
“Muitas crianças apresentam uma mudança significativa de comportamento. As reações podem ser diversas, como diminuição de apetite, apatia, falta de interesse por atividades antes interessantes, mudança de humor, irritação, ansiedade, dores de cabeça, alterações gastrointestinais frequentes, rebeldia, raiva, introspecção ou depressão, problemas escolares, pesadelos constantes, xixi na cama e presença de comportamentos regressivos (por exemplo, voltar a chupar o dedo). Outro sinal de alerta é quando a criança passa a falar abertamente sobre sexo, de forma não natural para a sua idade, física e mental”, esclareceu a psicóloga.
Ao menor sinal de desconfiança que uma criança ou adolescente sofreu ou está sofrendo algum tipo de violência sexual, os especialistas orientam em relação aos cuidados que o adulto deve tomar de imediato. Não pergunte diretamente os detalhes da violência sofrida e deixe-a falar livremente. Por mais difícil que seja, tente não demonstrar reações bruscas de susto ou raiva, para não aumentar a angústia vivenciada pela criança ou adolescente. E acima de tudo, é de suma importância, acolhê-los e tranquilizá-los. Explique que ele não é culpado pelo que aconteceu. Faça-o entender que você acredita no que foi dito.
Segundo a psicóloga Aline Hessel, “o importante é apoiar a criança, escutar o que ela tem a dizer e não duvidar da sua palavra”.
Procurando ajuda – Diante de uma situação de abuso deve-se buscar imediatamente a orientação de profissionais e de canais de denúncia, como o Disque 100 e o aplicativo Proteja Brasil, além de ONGs que atuam no combate ao problema e a organização social Safernet – que recebe denúncias de crimes que acontecem contra os direitos humanos na internet, incluindo pornografia infantil e tráfico de pessoas.
Neste período de isolamento a DPCA continua trabalhando em seu horário habitual, das 9 às 18 horas, mas a orientação da delegacia é de que as ocorrências sejam registradas primordialmente via internet, no site da Polícia Civil.
Em tempos normais, sem isolamento social, é possível procurar o Conselho Tutelar de cada cidade, aparelho público responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes ameaçados ou violados em seus direitos. A denúncia pode ser feita por telefone ou pessoalmente, na sede do conselho. Já os Centros de Referência de Assistência Social (Cras), quando abertos, realizam atendimento em atenção básica à população em geral e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) promovem o atendimento de média complexidade, que inclui o atendimento psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
“Além da atuação do Ministério Público e dos defensores públicos, que têm sido fortes aliados do movimento social de defesa dos direitos da criança e do adolescente”, destaca a psicóloga. Com as mudanças radicais na rotina, Aline ainda ressalta a importância da união em comunidade promovendo apoio às famílias que necessitam de ajuda.
“Conhecer as pessoas em volta, quem precisa de ajuda, quem foi afetado pelo isolamento, se tem alguma mãe sozinha cuidando de crianças, dentre outras questões de vulnerabilidade que devem ter toda a comunidade envolvida e responsabilizada”, afirma.
Histórico da data
Instituído pela Lei Federal 9.970/2000, o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes demarca a luta pelos direitos humanos de crianças e adolescentes no território brasileiro.
A data foi escolhida em memória a um crime em 1973 que ficou conhecido como “Caso Araceli”. Araceli era uma menina de 8 anos que, ao sair da escola, foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada em 18 de maio daquele ano, no município de Vitória. As investigações comprovaram que os criminosos eram pessoas influentes da sociedade capixaba na época, mas o crime até hoje continua impune.
Para o deputado Delegado Lorenzo Pazolini, a data marca uma luta permanente ao combate ao abuso e à exploração sexual infantil. Segundo ele, embora não seja aceitável comemorá-la, é possível apontar alguns avanços legais acerca do tema. (Weber Andrade com Webales)